A quem respondem os comandos civis que fazem a guerra em outsourcing?

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Não é a primeira vez que a Blackwater se vê em apuros no Iraque DR

Estão no Iraque mais de 160.000 funcionários de empresas privadas que fazem da guerra o seu trabalho. São tantos, ou talvez até mais, do que os soldados norte-americanos. E a quem têm de prestar contas estes civis que fazem a guerra em outsourcing? Na verdade, actuam num vazio legal, que lhes garante a impunidade — mesmo quando acusados de actos que levariam um militar a um tribunal marcial, como acontece com os comandos da Blackwater, que esta semana andaram nas manchetes.

A maioria destes 160.000 trabalhadores das 177 empresas presentes no Iraque asseguram funções de apoio ao exército (limpeza e refeições, por exemplo), ou de reconstrução de infra-estruturas (a Bechtel, à qual esteve ligado o vice-Presidente Dick Cheney, assegurou contratos para refazer esgotos e sistemas eléctricos, por exemplo).

Diz a imprensa americana que entre 20.000 e 50.000 desses trabalhadores — os números são muito incertos, porque Washington os mantém em segredo — é que serão especialistas em segurança, como a Blackwater, que trabalha para o Departamento de Estado.

A Blackwater tem cerca de 1000 comandos no Iraque, que garantem a segurança do pessoal diplomático dos EUA. E foi no cumprimento dessa missão que o Governo iraquiano os acusa de terem morto 11 civis na semana passada — incluindo uma mulher e o bebé que trazia ao colo.

O relatório do inquérito sobre o incidente feito pelo Ministério do Interior iraquiano está pronto, e o Governo de Nuri al-Maliki gostaria de submeter os suspeitos à justiça iraquiana. Mas isso é pouco provável, reconheceu um porta-voz do Executivo à Reuters, porque isso criaria "um vazio de segurança" em Bagdad.

Falta ainda o relatório da investigação que o Departamento de Estado está a fazer sobre o incidente, e também o de uma comissão conjunta, de iraquianos e americanos. Com tanto relatório, apurar-se-á a verdade?

"Haver investigações separadas é um primeiro passo de gigante na direcção errada", dizia um editorial do jornal Los Angeles Times. "Se as investigações produzirem dois cenários, a justiça dará lugar à política, deixando muitas dúvidas na opinião pública iraquiana e norte-americana."

Até porque a justiça, no quadro actual, seria difícil. Continua em vigor a Ordem 17, herdada do tempo em que o Iraque era um território ocupado, sob administração norte-americana, pelo embaixador Paul Bremer. Garante imunidade aos trabalhadores das empresas contratadas em outsourcing por actos cometidos no Iraque. Não estão submetidos à justiça militar, como o exército. O Parlamento iraquiano poderia revogar esta lei, mas não o fez até agora.

O bater de pé do Governo iraquiano por causa da Blackwater está a ser lido pelos analistas como uma tentativa de mostrar aos cidadãos quem manda de facto no país. E a Blackwater é uma empresa de segurança particularmente detestada — até pelas outras firmas, que a acusam de arrogância.

Não é a primeira vez que a Blackwater se vê em apuros no Iraque. No Natal passado, um comando da empresa matou um segurança do vice-Presidente Adel Abdul Mahdi. Foi mandado de volta aos EUA, sem que se saiba que tenha sido julgado. E eram da Blackwater os quatro homens mortos e exibidos numa ponte em Falluja, em 2004, um evento brutal que marcou a viragem para a guerra sangrenta de emboscada.

As acções dos comandos da Blackwater indispõem os iraquianos contra a presença americana e acabam por criar problemas ao exército dos EUA. Há iniciativas legislativas no Congresso para que estas forças sejam submetidas à justiça militar, mas, até agora, não avançaram.

Será desta que a guerra privatizada entrará numa nova fase, para "conquistar os corações e os espíritos dos iraquianos"?

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