Brincando ao gangsta

Já percorremos estas ruas da subúrbia americana, estes adolescentes maçados cujas brincadeiras perigosas acabam mal - por exemplo no excelente "Bully - Estranhas Amizades" (2001), ainda hoje o melhor filme de Larry Clark, com o qual "Alpha Dog" tem vários pontos de contacto. Tal como "Bully", "Alpha Dog" baseia-se numa história verídica que começou como uma birra de putos a brincar aos gangsters e acabou com um adolescente morto, outro em fuga e penas de prisão perpétua. Um dealer de erva adolescente e os seus amigos, que vivem num mundo de gangsters a fingir alimentado a charros, copos, sexo e rap entram em rota de colisão com o mundo real quando a sua "atitude gangsta" para com uma dívida de droga os força a assumir a sério essa imagem.

É, aliás, isso que é realmente interessante no filme de Nick Cassavetes (sim, filho de quem vocês estão a pensar), significativamente mais estimulante quando entra no mundo destes miúdos armados em maus e explora a sua atracção pelos tradicionais "frutos proibidos" do sexo, da violência e da droga, aomesmo tempo que desvenda um pouco do fosso aberto entre pais e filhos. Os pais, em "Alpha Dog", ouestão ausentes, ou são excessivamente protectores, ou são tão irresponsáveis como os filhos,deixando-os à solta para irem buscar códigos de comportamento ou ideais de conduta onde muito bem lhes apetecer; aqui, é a cultura do "gangsta rap" paredes-meias com a glorificação da marginalidade, com o culto do corpo musculado e da tatuagem, com o "gangue" como família de substituição.

Mas, para a maior parte destes miúdos, tudo não passa de uma fantasia da qual estão protegidos pela insonorização garantida pelo conforto burguês que parece ser a única coisa que os pais lhes podem dar. Quase como os video-jogos, em "Alpha Dog" o rapto começa por ser uma brincadeira; o puto raptado, pela primeira vez fora do alcance da mãe-galinha, está a divertir-se à grande e à francesa e nem sequer quervoltar para casa. Até ao momento em que todo o "faz-de-conta" do "nós somos maus" colide com um mau a valer, e as coisas já não vão lá com uma retirada de rabo entre as pernas, ou com um botão que desliga ojogo e permite o "restart".

Servido por um excelente elenco de jovens actoresque sustentam o filme com performances de bom nível (é quase injusto, mas lapidar, destacar o skinheadspeedado de Ben Foster e o filho-famíliadeslumbrado de Justin - sim, esse - Timberlake), ecom alguns adultos de peso a dar "apoio moral" (Harry Dean Stanton, Bruce Willis e Sharon Stone), "Alpha Dog" não se aguenta infelizmente nobalanço o tempo todo. Soçobra assim que Cassavetes introduz algumas notas de moralismo desnecessário,ou se mostra indeciso sobre o modo como narra a história (pontuada e enquadrada como se fosse umdocumentário rodado a posteriori); na sua sofreguidão de fazer justiça a uma complexa teia de personagens e de acontecimentos tiradas da vida real, é incapaz de encontrar um tom uniforme que faça justiça à verdadeira chave da história. E essachave não é o "fait-divers" criminal, mas sim a história de uma mão-cheia de miúdos a brincarem aos adultos sem perceberem que só eles é que acham que ainda estão a brincar. Sempre que Cassavetes filma doponto de vista deles, "Alpha Dog" tem garra, energia, inteligência; sempre que lhe foge, faz tangentes ao conto moral(izador) que traem o retrato. Algures pelo meio perdeu-se uma grande obra, mas ganhou-se um filme interessante, mesmo queinacabado.

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