Big Sister

O melhor é começar a falar de "Sinal de Alerta" pela única certeza que ele nos deixa: a revelação de uma cineasta talentosa, a inglesa Andrea Arnold, já vencedora de um Óscar pela sua curta "Wasp". Quem filma e dirige actores assim, com esta segurança e esta intencionalidade, merece toda a atenção que se lhe quiser dar e ser seguida daqui para a frente com cuidado. Claro que ajuda bastante arrancar na longametragem com um objecto como este, que levanta mais questões do que aquelas que quer ou pode responder (por deliberação ou por acaso é o que mais tarde se verá), condenado a deixar o espectador mais atento razoavelmente frustrado, deixando uma sensação estranha de "coitus interruptus" mas ao mesmo tempo feito de tal maneira que dificilmente se pode olhar para ele como um mau filme.

Expliquemos um pouco melhor. "Sinal de Alerta" começa por ser um conto moral no fio da navalha quequestiona as novas tecnologias securitárias, quando uma das operadoras de um sistema de câmaras de vigilância anti-crime reconhece num transeunte umhomem do seu passado e começa a usar o sistema para seguir os seus passos. Mas esse conto moral - e asimplicações morais dessa conduta não escapam à própria Jackie, solitária melancólica que transportaum grande desgosto pessoal - transformar-se-á numa variação feminina (feminista?) sobre o "thriller" do vingador que quer fazer justiça pelas suas próprias mãos, quando percebemos lentamente que Clyde, o tal transeunte, acabou de sair da prisão e ela não está contente com isso. E, depois, esse "thriller" de vingança metamorfoseia-se num melodrama clássico sobre o luto e o perdão - e a cada "mudança depele", Andrea Arnold vai deixando para trás algumas das questões mais fascinantes que levanta, sem que,paradoxalmente, o filme perca energia ou embalo narrativo com isso, o que apenas abona em favorda extrema segurança da sua "mise en scène" e da entrega dos excelentes actores que escolheu, Kate Dickie e Tony Curran.

"Sinal de Alerta" é melhor na primeira parte, onde Arnold levanta todas as questões e, de modo plúmbeo, escuro, desenha um retrato de Jackie como uma mulheremocionalmente morta que não pertence à sociedade que vigia e que se limita a observá-la pela (falsa)janela que o écrã abre sobre o mundo. De certa maneira, o filme desenvolve-se em seguida como aviagem de regresso de Jackie ao mundo, atravessando essas janelas e assumindo as emoções que negoudurante anos - viagem que vai da escuridão para a luz mas, no processo, ejecta sistematicamente o que de mais estimulante havia na premissa do filme. E que, ao mesmo tempo, levanta dúvidas sobre adeliberação dessa ejecção: "Sinal de Alerta" é o primeiro de um ciclo de filmes desenvolvido por LoneScherfig, a realizadora de "Italiano para Principiantes", para a produtora Zentropa de Lars vonTrier. Advance Party foi concebido à imagem da "trilogia" de Lucas Belvaux, com as personagenssecundárias de um filme a serem as personagens principais noutro - o que, conhecendo o trabalhosimpático mas inofensivo de Scherfig, ajuda a explicar porque é que, narrativamente, "Sinal deAlerta" acaba longe do ponto de partida. Mas também é verdade que há aqui tanto para ferrar o dente queé injusto descartar o filme de Andrea Arnold - se outra razão não houvesse, sente-se aqui fôlego decinema.

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