From Buraka To the World

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Simplifiquemos: o mundo da música, e das artes em geral, divide-se entre os que respeitam a ortodoxia, aprenderam determinadas técnicas e passam o tempo a demonstrar que são bons executantes, e os que acreditam no peso específico das ideias, pisam o risco das convenções, esticam os limites, mesmo podendo não ter consciência que é isso que estão a fazer. Em Portugal, a realidade pop, entendida num sentido lato, é quase sempre bem comportada, tem gravata, é calculista, segue à risca o livro. Quando alguém – por acaso ou com plena consciência dos seus actos – arrisca a página errada da história, normalmente sai uma rajada de ar fresco essencial. Como os Buraka Som Sistema.

Ideia desenvolvida a partir da editora e colectivo Enchufada, são Lil' John, Conductor e Riot, acompanhados pelos incitadores vocais Petty e Kalaf, todos eles, no passado recente, envolvidos noutras operações com música urbana lá dentro. Com meia dúzia de sessões em palco transformaram-se rapidamente num caso de culto e não é difícil perceber porquê – aquilo que têm para propor é abertamente novo, aproveitando a adrenalina e a singularidade rítmica de uma sonoridade proscrita, o kuduro, e reforçando a afinidade com outras entidades como a house, o tecno, o drum n' bass, o grime londrino, o baile funk brasileiro ou até o crunk americano. Depois do single "Yah!", eis que editam um EP de oito temas, numa edição limitada de venda exclusiva nas lojas FNAC. Cada uma das cópias terá uma capa interior diferente, uma vez que foram impressas num papel reciclado já impresso num dos lados. Têm-se sucedido as mais diversas reacções à sua música, das mais conservadoras e puristas às mais desenfreadas e entusiásticas. Não surpreende. É que a sua música impura e contaminada, expondo o real e expressando fantasia, "local" e "global" em simultâneo, desbocada e insinuante, é um convite para Portugal se olhar ao espelho, confrontar-se com obsessões e discutir o seu tema preferido: a famigerada identidade nacional. Quando nos concentramos no essencial, a música, descobre-se uma sonoridade que respira vitalidade, com as batidas quebradas agitando, transformando, provocando ondas de suor. É música hedonista, sem receio de não ter outro propósito que seja esse precisamente: provocar a festa, pegando em todos os materiais à disposição para a estimular, desde que funcionem, sejam eles programações distorcidas do tecno, devaneios de uma África ocidentalizada ou o contrário, vozes que apregoam mais do que cantam ou linhas de baixo robustas, numa atitude salutarmente indomesticável. Quem já os apanhou ao vivo, reconhece seguramente temas como "Sem makas", "Yah!", "Com respeito", "Coozi o mambo" ou "A morte do sonic". Mas os verdadeiros sortudos são os que vão entrar em contacto com esta música em primeira instância. É que não há vez como a primeira.

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