Suburbanos desesperados

Há uma maneira simples de definir "Os Amigos de Dean": um cruzamento de "Beleza Americana" com a série televisiva "Donas-de-Casa Desesperadas" rodado em modo de "novo-filme-indie-americano" com a corrosão de Larry Clark, com um elenco de conjunto repleto de actores de nome (Glenn Close, William Fichtner, Ralph Fiennes, John Heard, Carrie-Anne Moss, Rita Wilson).

No entanto, essa definição, por muito correcta que seja, não faz justiça ao tom de sátira apocalíptica do primeiro filme de Arie Posin, que remete aqui e ali para "Donnie Darko", de Richard Kelly, ou para o dominó pacientemente construído de "Magnolia", de Paul Thomas Anderson. O título português, por seu lado, remete, e não incorrectamente, para "Os Amigos de Alex", de Lawrence Kasdan, que, em 1983, procurava fazer um ponto da situação da geração que crescera com os ideais revolucionários dos anos 1960. E, tal como no filme de Kasdan, a acção de "Os Amigos de Dean" é despoletada por um suicídio: o de Troy, um liceal do subúrbio californiano de Hillside, e fornecedor oficial das drogas que mantêm os miúdos do liceu alheios ao apocalipse consumista e conformista que os rodeia.

O que se segue após esse suicídio é um ponto da situação do subúrbio americano contemporâneo; um meticuloso estudo do modo como a morte de Troy lança uma reacção em cadeia que vai minar a rede social de Hillside e trazer à luz do dia os esqueletos escondidos no armário. Dean era o melhor amigo de Troy e é o "frique" do liceu, ostracizado pelos outros pela sua franqueza misantropa e pela sua reputação de louco, muito ajudada pela popularidade do pai psiquiatra como autor de livros de auto-ajuda. Dean, contudo, é capaz de ser a pessoa mais lúcida de uma comunidade onde todos se agarram a alguma coisa para fugir ao vazio que os persegue: desde logo em sua própria casa, onde o pai receita anti-depressivos a torto e a direito e a mãe jura a pés juntos pelas vitaminas vegetarianas. E a necessidade das drogas que permitem manter o precário equilíbrio emocional da juventude de Hillside leva a uma conspiração de três adolescentes para convencer Dean a recuperar o stock que Troy tinha escondido e adiar um pouco mais o confronto com a realidade.

Claro que não é nada disso que vai acontecer ao longo da sátira surreal do filme, explorando com requintes de malvadez a implosão de uma célula familiar que deixou de existir. Posin e o argumentista Zac Stanford pintam a subúrbia como o local onde tudo o que de pior há na civilização urbana ocidental vem ao de cima, enorme fachada por trás da qual a solidão, o alheamento, o egoísmo e o arrivismo reinam, onde quase ninguém é capaz de um gesto humano. Daí também que Dean (excelente interpretação de Jamie Bell, que cresceu bastante, também como actor, desde a sua revelação em "Billy Elliot") acabe por, na sua misantropia assumida, ser o mais humano dos habitantes de uma Hillside que parece estar a convocar o apocalipse traçado no jogo video do "Chumscrubber" cujo herói parece estar presente por todo o lado.

"Os Amigos de Dean" não deixa de ser uma fita desequilibrada: algumas personagens não passam de caricaturas (Ralph Fiennes tem uma personagem ingrata a defender), o elenco é subaproveitado (são os adolescentes que sustentam, e muito bem, o filme), o tal jogo video recorrente nunca passa de efeito estilístico redundante. Mas, pelo meio, há uma fita interessante que reflecte com aspereza e, até, um certo prazer perverso um "mal du siècle" suburbano que parece começar a espalhar-se. Ao pé deste retrato, as "donas de casa desesperadas" não passam de meninas do coro.

Sugerir correcção
Comentar