Cartoons de Maomé enfurecem mundo islâmico

Foto
O governo norueguês anunciou hoje o fecho ao público da sua representação na Cisjordânia Pascal Pavani/AFP

Reivindicando o "direito de caricaturar Deus", o jornal popular francês "France Soir" publicou ontem 12 caricaturas dinamarquesas do profeta Maomé que enfureceram o mundo muçulmano. O primeiro-ministro dinamarquês, Anders Fogh Rasmussen, "deplorou pessoalmente" esta maneira de "representar símbolos religiosos", mas o modo como geriu o escândalo agravou a tempestade diplomática: manifestações e um boicote generalizado aos produtos do pequeno reino no Médio Oriente.

Já hoje, o governo norueguês anunciou o fecho ao público da sua representação na Cisjordânia, após ameaças por parte de dois grupos armados palestinianos."Nós levamos as ameaças muito a sério", declarou à AFP Rune Bjaastad, porta-voz do ministro norueguês dos Negócios Estrangeiros.

O "France Soir", à beira da falência, publicou os desenhos saídos a 30 de Setembro de 2005 no diário popular dinamarquês "Jyllands-Posten" em nome da "defesa da liberdade de imprensa". Outros jornais europeus fizeram a mesma opção. Em Espanha, o "ABC" e "El Periódico". Na Itália, o "La Stampa" ilustrou um artigo factual com o desenho mais polémico, que mostra Maomé com um turbante em forma de bomba. Na Suíça, o popular "Blick" publicou dois desenhos e o "La Tribune", de Genebra, programou para hoje algumas caricaturas. O alemão "Die Welt" foi o único media de referência europeu a publicar (ontem, em primeira página) uma das caricaturas, em nome da "liberdade de expressão".

Estas tomadas de posição ocorrem depois de o "Jyllands-Posten" ter apresentado desculpas, na segunda-feira, por ter ofendido os muçulmanos. No começo, o diário (imitado pelo jornal norueguês "Magazinet") tinha publicado os desenhos num espírito de provocação, reivindicando o direito a "desafiar, humilhar e blasfemar" o islão, segundo o editorial de 30 de Setembro de 2005.

As desculpas aconteceram depois de milhares de palestinianos terem participado num desfile organizado pelo grupo Jihad Islâmica na Faixa de Gaza, e terem queimado uma foto de Rasmussen, em frente às instalações da União Europeia. Desfiles muito agressivos decorreram também no Iémen e no Sudão e por todo o Médio Oriente houve ameaças contra os cidadãos nórdicos, levando as organizações internacionais a começarem a retirar os seus colaboradores dinamarqueses e noruegueses destes países.

Em Rabat, foi marcada para amanhã uma manifestação de protesto de movimentos islâmicos. A polícia dinamarquesa antecipa também uma manifestação de jovens muçulmanos em Copenhaga, este fim-de-semana, e outra de movimentos de extrema-direita que ameaçam queimar o Corão nas ruas da capital.

No começo, o caso tinha um potencial para acalmar, mesmo se revelava um abismo cultural entre dois mundos. Onze embaixadores árabes em Copenhaga pediram que Rasmussen sancionasse os caricaturistas, recordando que a representação de Maomé é proibida pelo islão.

Os diplomatas foram ignorados pela coligação de direita no poder, que "não se deu ao trabalho de explicar que, no Ocidente, um governo não interfere, nem sanciona, a liberdade de expressão, mas que as opiniões dos jornais também não reflectem as posições de todo um povo", disse ao PÚBLICO o chefe de redacção do diário Politiken, Torgen Seinenfaden, lamentando o "imenso desperdício desta crise inútil".

A situação diplomática foi apodrecendo, explorada, em paralelo, pela extrema-direita xenófoba dinamarquesa e por radicais islamistas no Médio Oriente. Hoje, a tempestade parece fora de controlo. Os apelos ao boicote dos produtos dinamarqueses já fizeram uma primeira vítima: o grupo de lacticínios dinamarquês e sueco Arla Foods perde um milhão de euros por dia no Médio Oriente, e teve de fechar as suas fábricas na região.

No plano diplomático, a Síria chamou ontem a Damasco o seu embaixador na Dinamarca, imitando a Arábia Saudita e a Líbia. Irão, Iraque, Argélia e Sudão exigem explicações à Dinamarca. Os ministros do Interior de 17 países árabes, reunidos em Tunes, pediram ao Governo dinamarquês que "puna seriamente" os caricaturistas.

O "France Soir", condenado por todas as religiões monoteístas em França, diz que não agiu por gosto da provocação e sim porque os desenhos estão no centro da polémica sobre o equilíbrio entre democracia e respeito pelas crenças religiosas.

Sugerir correcção
Comentar