Classe Económica

"Red eye" é o nome que os americanos dão aos voos nocturnos que atravessam fusos horários do continente durante a madrugada, saindo de uma cidade de noite para chegarem a outra ao princípio da manhã. É num desses voos que Lisa regressa do funeral da avó materna, em Dallas, para o seu emprego de gerente num hotel de Miami, oportunidade para desfiar a litania dos pesadelos do viajante frequente, suficientes para fazer amaldiçoar a democratização do transporte aéreo - atrasos consecutivos, passageiros irritados, telemóveis que não páram de tocar com crises pessoais ou profissionais, esperas intermináveis, nervos de quem não gosta de voar.

Felizmente, há um rapaz simpático bem-parecido que mete conversa com a nossa heroína. Mas a simpatia, percebe-se depois, é fachada: o rapaz é um terrorista encarregue de forçar a ajuda de Lisa, através de veladas ameaças à segurança do pai, para levar a bom termo um atentado contra um alto oficial do Governo americano. Encurralada no seu assento de janela, Lisa está, literalmente, entre a espada e a parede...

"Red Eye" é só isto - ou quase só isto - mas, parecendo que não, "isto" já é muito. É uma peça de relojoaria impecavelmente executada, modelo de inteligência, economia e eficácia digno da melhor tradição da série B - os filmes de "segunda equipa" que, na era de ouro de Hollywood, mantinham a linha de montagem dos grandes estúdios a funcionar e, depois da desintegração do sistema de estúdios, se tornaram nos modelos e ideais de toda uma geração de cineastas "de género" (com John Carpenter à cabeça).

Não surpreende por isso que seja um dos nomes dessa geração, Wes Craven, o homem que criou o assassino dos sonhos Freddy Krueger e que reinventou o "slasher movie" com a série "Gritos", a assinar o filme, potenciando o guião engenhoso de Carl Ellsworth com uma pequena "master class" de economia e eficácia . Ou, por outras palavras: como construir meticulosamente um controladíssimo exercício de gestão de suspense dentro de um cenário quase único (o espaço já de si claustrofóbico de um avião de carreira), com apenas dois actores, eliminando metodicamente tudo o que não faz falta ao desenrolar da história. Parece fácil, mas é uma alquimia complicada, exigindo uma boa combinação de ingredientes, a mão hábil do realizador e uma empatia de actores que, aqui, funciona às mil maravilhas entre o irlandês Cillian Murphy ("28 Dias Depois") e a canadiana Rachel McAdams ("O Diário da Nossa Paixão"). Em "Red Eye", tudo se conjuga na perfeição, jogando habilmente - como sempre foi apanágio da série B - com os medos contemporâneos (aqui, o duplo "punch" do terrorismo e do medo de voar).

Que não se espere de "Red Eye" a invenção da roda nem um "statement" artístico - não é essa a sua função, nem terá certamente sido essa a motivação de Wes Craven. Para quem, aliás, terá contado muito mais a necessidade de andar para a frente e fazer esquecer os dois anos e meio passados no inferno que foi a produção de "Cursed", fita de lobisomens atolada em problemas de guião e de produção que acabou por estrear ingloriamente no início de 2005 (por cá, seguiu directo para vídeo). Missão cumprida: "Red Eye", surpresa inesperada de fim de Verão, é entretenimento inteligente de primeira classe. A série B está bem de saúde e recomenda-se.

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