Slasher movie

Mais um "slasher movie" onde universitários inconscientes são perseguidos e chacinados por um psicopata com requintes de malvadez? Sim, "A Casa de Cera" afadiga-se minuciosamente a preencher a "checklist" de todos os lugares-comuns do género.

Mas convirá olhar um pouco para lá da superfície para perceber que o filme do estreante Jaume Collet-Serra (publicitário catalão radicado nos EUA) é um híbrido estranho que se posiciona na encruzilhada de três genealogias diferentes, três épocas distintas, três modos de entender o cinema de terror.

Nominalmente, trata-se da terceira versão cinematográfica da peça de Charles Belden, previamente filmada em 1933 por Michael Curtiz com Lionel Atwill e em 1953 por André de Toth com Vincent Price numa celebrada adaptação em 3-D, em ambos os casos com o título português "Máscaras de Cera". "A Casa de Cera" chega-nos com a marca da Dark Castle, a companhia formada pelo produtor Joel Silver ("Matrix") e pelo realizador Robert Zemeckis ("Forrest Gump") em prol da série B de terror "clássica", recusando a ironia pós-modernista e auto-referencial introduzida por Wes Craven e Kevin Williamson na série "Scream" e optando por uma abordagem mais tradicionalista do género.

Mas Collet-Serra e os argumentistas Chad e Carey Hayes mantêm apenas o título e o conceito central de um museu de cera cujos manequins são na realidade cadáveres recobertos, explorando no guião uma outra ascendência directa - "Massacre no Texas", de Tobe Hooper, e as múltiplas derivações que se lhe sucederam; que o mesmo é dizer, o ponto em que o cinema de terror passou a mostrar abertamente aquilo que antes ficava por ver. É claramente nessa linhagem de "sangria" (mesmo que "light", para não afugentar o todo-poderoso público "teenager") que "A Casa de Cera" se inscreve, ao recuperar intacto o modelo Hooperiano do grupo de jovens urbanos que se perdem em território "redneck", caindo na ratoeira montada por um vilão psicótico (derivado, evidentemente, a um trauma de infância sugerido no inevitável prólogo) numa "cidade-fantasma" dominada pelo museu de cera.

Face a tamanho caderno de encargos - "remake" de clássico formatado em função de um público, procurando equilibrar-se entre os modelos contemporâneo e tradicional -, dificilmente "A Casa de Cera" se aguentaria bem, ainda por cima quando o elenco ostenta orgulhosamente o nome da mediática herdeira Paris Hilton (cujos inexistentes dotes de actriz vão bem com o seu aspecto de Barbie inexpressiva).

À chegada, contudo, há uma tentativa interessante, mesmo que falhada, de transcender o "slasher" tradicional, procurando introduzir alguma espessura nas personagens - nomeadamente com a exploração da relação entre os irmãos interpretados por Elisha Cuthbert (da série "24") e Chad Michael Murray, com a aposta numa exposição inicial mais pausada que o normal e com uma judiciosa gestão do "gore" (significativamente inferior ao coeficiente habitual no género, por isso mesmo de violência potenciada). Haverá, evidentemente, algo de contraditório num "slasher movie" que procura emprestar densidade a personagens pensadas como carne para facalhão - o que é apenas sublinhado pela extraordinária sequência climáctica ambientada no museu de cera em chamas, cujo surrealismo visual daliesco parece desajustado do que ficou para trás. Mas, pelo meio dessas contradições, "A Casa de Cera" reflecte bem a Hollywood contemporânea: em busca de soluções desnecessárias para problemas que em tempos soube resolver.

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