"Até amanhã, camaradas" vista por Joaquim Leitão

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Hoje e amanhã a SIC vai transmitir os seis episódios da série, às 23h15 e 22h30, três em cada dia Miguel Madeira/PÚBLICO

"Até amanhã, camaradas", a série a partir da obra de Manuel Tiago, pseudónimo de Álvaro Cunhal, é uma aposta de Tino Navarro. É a maior série de televisão portuguesa de sempre. O produtor da MGN optou por uma série de seis episódios de 50 minutos, num total de 300 minutos, devido à complexidade do romance que envolve 140 personagens.

Numa primeira fase, a série, filmada em película, esteve nas mãos do realizador Luís Filipe Rocha, autor do argumento, mas o produtor acabou por entregar o projecto a Joaquim Leitão. O realizador de "Adão e Eva", "Inferno" ou "Tentação" leu o romance "três, quatro vezes" e encontrou-se com Álvaro Cunhal. Hoje e amanhã a SIC vai transmitir os seis episódios da série, às 23h15 e 22h30, três em cada dia.

PÚBLICO - Quando agarrou este projecto já tinha um argumento escrito pelo realizador Luís Filipe Rocha. Isso criou-lhe obstáculos à realização da série ou não?

JOAQUIM LEITÃO - Quando aceitei fazer a série já foi no pressuposto que havia uma janela temporal possível para realizar o projecto. Mesmo que quisesse fazer alterações era impossível. Por isso segui o argumento até porque conhecia bastante bem o livro. O guião respeitava o livro no fundamental, estava perante um bom argumento.

P. - Mas não teve receio nenhum?

R. - Não, foi uma decisão ponderada, não tomei a decisão de ânimo leve nem quanto a aceitar o argumento nem quanto às condições de produção - que eu queria ter a certeza que as teria para fazer a série tal como imaginava. Mas é evidente que sou eu a realizar, e parte de mim está ali na maneira como concebo a vida e o cinema.

P. - Quantas vezes é que leu "Até amanhã, camaradas"?

R. - Umas três, quatro vezes. Primeiro por curiosidade, depois porque à semelhança de outras pessoas li-o com a ideia de um dia talvez adaptá-lo e desde que me meti neste projecto, já com outros olhos, li-o com uma atenção aos detalhes, às pequenas coisas...

P. - Quantas vezes falou com Álvaro Cunhal sobre o que estava a fazer?

R. - Falei duas vezes por telefone e estive com ele uma vez, pessoalmente.

P. - Em que medida essas conversas foram úteis para si? Ele deu-lhe algumas indicações? Discutiram muito?

R. - Não. As conversas com ele foram muito práticas. Havia certo detalhes sobre as quais eu tinha dúvidas...

P. -... por exemplo?

R. - Logo no princípio havia uma cena em que o Vaz passava por diversos sítios e que, em certa altura, encontrava-se com uma pessoa a quem só dizia uma palavra, cujo significado eu não compreendia. Depois da conversa com Álvaro Cunhal percebi que, para que aquilo se tornasse claro, tinha que fazer muito mais coisas que ninguém, a não ser um círculo muito restrito de pessoas, é que perceberia. E ele sugeriu-me que era melhor não pôr.

P. - Foi fácil a conversa com ele?

R. - Foi, foi... E com todas com todas as pessoas ligadas ao partido. Não tenho razões de queixa: tudo o que perguntei foi-me respondido com a maior das franquezas até para captar o sentimento que as pessoas tinham na altura. Para mim, o essencial disto em termos emocionais era fazer uma opção: ou se fazia uma coisa muito sofrida ou então uma coisa que era a ideia que eu tinha - a vida daquelas pessoas era difícil, dura, mas era uma vida entusiasmante.

P. - Perdura um mistério quanto ao livro ou melhor quanto a uma personagem do livro. O Vaz, o homem da bicicleta, é o próprio Álvaro Cunhal ou não? O escritor Urbano Tavares Rodrigues disse que era uma mistura de Vaz e Ramos...

R. - A essa questão, não posso responder e nem eu sequer a pus nunca até porque isso só me condicionava... Se isso não é evidente da leitura do livro porquê forçar essa via? O que toda a gente me dizia é que as personagens são inspiradas em combinações de várias pessoas. É óbvio que a primeira intuição é ligar o Vaz a Álvaro Cunhal, mas isso é pegar nas coisas muito pela rama...

P. -... e não só a um herói, é um livro muito coral...

R. - Exactamente! Há personagens que vão ganhando força e presença num determinado momento, outras aparecem outras. A única pessoa que podia responder ao mistério era Álvaro Cunhal, mas é uma coisa que não tem grande interesse.

P. - Quais foram os momentos mais difíceis de dar? Os intimistas, as reuniões clandestinas, os encontros, a escolha das paisagens, ou, por exemplo a greve que exige uma maior movimentação mas também mais cuidados para não se cair no fácil?

R. - Havia duas coisas que a leitura do argumento punha como dificuldades: uma é que há muitas reuniões de clandestinidade em que em que as pessoas falam numa linguagem cifrada - e os actores ultrapassaram esse problema com paixão - enquanto que, na questão da greve, a dificuldade era reconstituir um entusiasmo que não é muito bem controlado por cada um de nós. E acho que se conseguiu fazer passar bem para o espectador as duas coisas.

P. - À escala portuguesa, esta é a maior série de sempre. Acha que pode ser uma mudança no audiovisual português ou é apenas um caso isolado?

R. - Também não sei responder a essa pergunta. Só espero que não seja um caso isolado mas um exemplo para que apareceram mais séries feitas por outros realizadores. Mas acho que esta série se for passada daqui a dez anos continuará a funcionar, independentemente da opinião que se tenha dela. Esta série está ao nível do melhor que se faz na produção europeia.

P. - O facto da série ir para o ar em plena campanha eleitoral não terá consequências políticas ao nível no voto no PCP?

R. - É outra pergunta que não sei responder. Até porque a decisão de passar nesta altura não foi minha. O que não dizer que não haja um lado empolgante desta série que tem a ver com a luta do PCP. Agora se isso passará para a actualidade não sei. Veremos... [risos]

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