Alargamento ao Leste: da utopia ao "big bang"

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Perante a derrocada em dominó dos seus regimes totalitários, os antigos satélites da ex-URSS viraram-se de imediato para a UE Matthias Rietschel/AP

Menos de quinze anos depois da queda do Muro de Berlim, a União Europeia (UE) abre hoje as portas a oito antigos países da Cortina de Ferro, em conjunto com Malta e Chipre, concretizando o maior, o mais difícil e o mais caro alargamento da sua História.

Embora o princípio da adesão dos países do centro e leste da Europa estivesse inscrito no código genético do projecto europeu, a sua concretização, e mais ainda este cenário de "big bang", constituía uma verdadeira utopia no início dos anos 90.

Perante a derrocada em dominó dos seus regimes totalitários, os antigos satélites da ex-URSS viraram-se de imediato para a UE que começou por lhes responder com os instrumentos clássicos da liberalização das trocas comerciais e da assistência financeira.

Estes primeiros acordos de "comércio e cooperação" revelaram-se no entanto rapidamente insuficientes para enquadrar as relações cada vez mais estreitas entre os dois grupos de países. A ideia da adesão começou desde logo a dominar os discursos dos novos responsáveis do leste, animados pela experiência da ex-RDA, absorvida pela UE num abrir e fechar de olhos em 1990 por via da unificação alemã.

Prudente, a UE passou ao estádio superior dos "acordos europeus" com novas concessões comerciais, uma dimensão política, um "diálogo estruturado" e a afirmação da vocação destes países para aderir. Os então Doze estados membros da UE viam no entanto esta possibilidade como um objectivo longínquo, o corolário de longos processos de transição de dez a vinte anos, consoante os países, de modo a permitir uma absorção progressiva das obrigações do direito comunitário. Foi a época dos grandes debates que colocavam em oposição o alargamento e o aprofundamento da integração, ou das teorias dos "círculos concêntricos" de Jacques Delors e da "confederação europeia" de François Mitterrand, fórmulas de aproximação política e económica ao Leste capazes de evitar a adesão.

Os visados denunciavam o que encaravam como uma hipocrisia dos líderes "ocidentais" que os incitavam a proceder a duras reformas políticas e económicas, fechando-lhes simultaneamente as portas.

A nebulosa dissipou-se na cimeira de Copenhaga de 1993, quando os Doze aceitaram que os países associados da Europa central e oriental que o quisessem, poderiam tornar-se membros da UE. O alargamento ao Leste deixara de ser uma questão de "se", para se tornar um "quando", embora ainda muito distante.

A mesma cimeira definiu aliás as condições políticas e económicas para a adesão, os famosos "critérios de Copenhaga": os aspirantes teriam de assegurar a estabilidade das instituições democráticas, o estado de direito, os direitos humanos e o respeito e protecção das minorias; a existência de uma economia de mercado em funcionamento a par da capacidade para suportar a pressão concorrencial e as forças de mercado na UE; e, finalmente, a capacidade para assumir as obrigações da adesão, incluindo os objectivos da União política, económica e monetária.

A partir de Copenhaga, choveram os pedidos formais de adesão, inaugurados pela Hungria e Polónia em 1994, seguidas da Roménia, Eslováquia, Letónia, Estónia, Lituânia e Bulgária em 1995, e completados pela República Checa e Eslovénia em 1996.

Encarregue de analisar as capacidades de cada um dos países para aderir, a Comissão Europeia surpreendeu os Quinze quando propôs à cimeira de líderes da UE no Luxemburgo, em Dezembro de 1997, a abertura das negociações formais com seis países: três da Europa central particularmente caros à Alemanha - Polónia, Hungria e República Checa - dois relativamente avançados nas reformas oriundos das duas federações entretanto desmanteladas - a Estónia, no caso da ex-URSS, e a Eslovénia, saída da ex-Jugoslávia - e Chipre, cujo processo de adesão começara mais cedo.

A proposta embaraçou os estados que defendiam em privado um alargamento limitado e bem preparado, sobretudo a França, Alemanha, Portugal ou Espanha, devido essencialmente aos custos orçamentais. Mas a lista de países também não satisfez os governos que queriam um alargamento mais vasto e rápido com o objectivo de diluir o projecto europeu e travar a integração, como o Reino Unido, a Suécia e a Dinamarca.

Sentindo-se ultrapassados e em risco de ficar definitivamente para trás, os candidatos excluídos deste grupo, passaram à velocidade superior na campanha de pressão para obterem a reparação do que encaravam como uma injustiça. Neste processo foram largamente ajudados, aliás, pelos discursos mais ou menos demagógicos de vários líderes europeus que, atraídos pelos novos mercados prometedores, prometiam adesões à esquerda e à direita em nome da obrigação moral de acolher os deserdados da História.

Na cimeira de Helsínquia, de Dezembro de 1999, os líderes da UE resignaram-se a colocar todos os candidatos em pé de igualdade ao aceitarem, de novo sob proposta da Comissão, iniciar as negociações com os seis retardatários: Eslováquia, Letónia, Lituânia, Bulgária, Roménia e Malta.

Nove meses antes, no entanto, os Quinze ainda acreditavam que conseguiriam limitar o alargamento quando aprovaram o quadro orçamental plurianual da UE até 2006 prevendo apenas a adesão de seis países em 2002. Com a nova fuga em frente de Helsínquia dissiparam-se todas as dúvidas que ainda poderiam existir de que a adesão dos novos membros seria decidida em função de critérios políticos e não técnicos, o que reforçou os receios dos que temiam um alargamento mal preparado. Numa corrida contra-relógio, os Quinze trataram de reformar precipitadamente as instituições comunitárias antes da adesão dos novos membros, uma reforma traduzida no malfadado Tratado de Nice inspirada pela vontade dos grandes países de reforçarem o seu poder antes da entrada de uma vaga de pequenos e micro-estados.

Com as negociações a avançar a ritmos desiguais, todas as atenções estiveram concentradas na Polónia, o país mais atrasado mas que, ninguém duvidava, teria obrigatoriamente, por razões estratégicas e pela determinação da Alemanha, de integrar a primeira vaga de adesões. O que garantia o bilhete de entrada a todos os países.

Foi por isso que quando em Novembro de 2001 a Comissão Europeia defendeu que dez países poderiam terminar as negociações até ao fim de 2002 e aderir em 2004, já ninguém ficou surpreendido. De fora ficaram apenas a Bulgária e a Roménia, os únicos países realmente mais atrasados que a Polónia, que esperam no entanto integrar a família europeia em 2007.

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