"Correio da Manhã": o jornal que nasceu para responder às preocupações do "homem da rua"

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O primeiro número do "Correio da Manhã" ("CM") saiu para as bancas há precisamente 25 anos, com a ambição de ser o primeiro jornal do pós-25 de Abril virado para as preocupações do "homem da rua".

Em 1979, os jornais eram muito marcados pela política que se fazia em Portugal, mas Vítor Direito, um dos fundadores e primeiro director, dizia aos jornalistas que convidava que o novo jornal "de política só vai ter o essencial". Não terá sido bem assim, a começar logo pelo número um, que titulava em manchete: "Eanes arrefece a crise".

Mas Vítor Direito sabia do que falava, estava convencido de que a política não vendia jornais, e encontrava-se, também, "cansado de dependências partidárias", como referiu Mário Mesquita, jornalista e professor universitário, numa das suas crónicas (PÚBLICO de 23/11/03). Os três últimos títulos onde tinha trabalhado - "Diário de Lisboa", "República" e "A Luta" - tinham um cariz marcadamente político e enfermavam dos problemas financeiros daí resultantes. Com Carlos Barbosa, Eduardo Morais e Nuno Rocha, este último fundador e director de "O Tempo" e proprietário de uma gráfica, Vítor Direito cria uma cooperativa de jornalistas que lança o primeiro tablóide português no grafismo e no conteúdo, inspirado de alguma forma nos tablóides ingleses. Os jornalistas entraram com quotas iniciais de dez mil escudos e eram também cooperantes. Os maiores accionistas, com 33 por cento do capital cada, eram Vítor Direito e Carlos Barbosa.

Belmiro Vieira, fundador e chefe de redacção adjunto - que se manteve no "CM" até Fevereiro de 2001 - contou ao PÚBLICO que o "CM" nasceu num imóvel cedido por Nuno Rocha - uma cave "sem um mínimo de condições" na Rua Ruben A. Leitão, em Lisboa - onde nem sequer existiam secretárias e máquinas de escrever para a totalidade dos 30 jornalistas fundadores.

Os primeiros seis meses de vida do "CM" foram tão penosos como essa cave onde funcionava a redacção. Tanto o gestor Carlos Barbosa como o jornalista Belmiro Vieira acusam a distribuidora - a mesma do "Diário de Lisboa" - de boicotar sistematicamente a chegada do jornal aos pontos de venda. É por isso fundada a Vasp, em associação com o grupo de Pinto Balsemão, que viria a ser crucial para o sucesso do "CM", tanto quanto os problemas laborais no "Diário de Notícias" que faziam nessa altura atrasar a sua distribuição. Passados dois anos, o "CM" era uma aposta ganha, tanto do ponto de vista editorial como financeiro.

"Não ter muita política foi o primeiro factor que ditou o sucesso do 'CM'. Em segundo lugar, foi o primeiro jornal que voltou a publicar-se ao domingo, uma tradição da imprensa portuguesa interrompida pelo 25 de Abril", diz o ex-chefe de redacção adjunto. O "CM" começou, inclusive, a oferecer uma revista a cores nesse dia. "E, em terceiro, conquistou uma posição muito forte nos pequenos anúncios", prossegue Belmiro Vieira. "Roubámos o mercado do pequeno anúncio ao 'Diário de Notícias'", confirma por sua vez Carlos Barbosa, hoje quadro na Portugal Telecom que, através da Lusomundo, controla o "Diário de Notícias" e outros títulos.

Barbosa foi também o "homem da marca". Com efeito, o "CM" foi pioneiro no "merchandising" em Portugal. O jornal prestou-se a isso: era popular, "sem ser popularucho". Foi o primeiro jornal a patrocinar eventos como as "misses", os concursos, os espectáculos de música, etc. "O "CM" estava em tudo o que tivesse visibilidade", conta Carlos Barbosa. "Em 1979 era tudo muito político. O "CM" não. Era completamente independente dos poderes políticos até ao dia em que saímos", acrescentou o gestor, confessando-se muito desiludido e até mesmo zangado com o rumo que o jornal levou depois da sua venda, no final de 2000, à Cofina.

Sensacionalista para alguns

E o epíteto de sensacionalista? Belmiro Vieira não o rejeita, mas explica que "isso era o que as classes média e alta chamavam ao 'CM'". Admite que o jornal tinha um papel de "justiceiro dos pobres", em parte hoje reservado às televisões. "O 'CM' resolvia os problemas do 'homem da rua', os outros jornais não o faziam", acrescenta. Sempre à margem da política? A resposta oficial é a de que sim, mas que dizer de uma célebre manchete, em vésperas de eleições legislativas, que fazia sobressair o A e o D de Aliança Democrática, uma das forças políticas concorrentes? Ou da acusação de ser um jornal "anti-comunista"? "Não fazíamos a propaganda do PC, nem a de outros", respondeu Belmiro Vieira, para quem o "CM" era "uma experiência empresarial", com poucas afinidades com os ideais comunistas.

A Presselivre, empresa proprietária do "CM", de metade do "Autosport" e de 50 por cento da Vasp é vendida à Cofina de Paulo Fernandes em Agosto de 2000. Ficou acertado que os antigos accionistas se iriam manter à frente da empresa durante mais seis meses, mas em Dezembro dá-se a ruptura. Vítor Direito e Carlos Barbosa saem zangados com a equipa de Paulo Fernandes. Nas mãos da Cofina, o "CM" continuou a crescer. É hoje dirigido por João Marcelino.

O PÚBLICO tentou falar com Vítor Direito para obter um depoimento mas o fundador do "CM" alegou problemas de saúde para justificar a sua indisponibilidade.

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