E tudo a adaptação literária levou

"Cold Mountain", o livro de Charles Frazier que o realizador Anthony Minghella adaptou ao cinema, relata a odisseia de um homem - a odisseia do Homem, não se chama ele Inman, aproximação fonética a "everyman"? Inman (Jude Law) abandona uma das batalhas mais sangrentas dos últimos dias da Guerra Civil Americana, em 1860, e atravessa uma imensa paisagem de adversidades para regressar à Carolina do Norte, a Cold Mountain, à mulher que mal teve tempo de começar a amar, Ada (Nicole Kidman).

Entre estes dois pólos, Frazier construiu o romance: uma prosa essencialmente evocativa, sobre a comunicação sensorial entre dois seres que nunca se encontram (a não ser no fim, a não ser nas memórias e nas cartas que se desencontram).

É, também, uma viagem mental, e não é só Inman que a faz; enquanto espera, sem saber a sorte de Inman, Ada é lançada para uma aventura pessoal que a obriga a transformar-se de frágil "southern belle" em mulher.

Como tornar esta comunicação táctil, como fazê-la matéria cinematográfica? Minghella era a pior escolha para a tarefa, ele que se está a tornar especialista na adaptação literária - por mais que diga que resistiu a fazer mais um filme a partir de um livro, depois de "O Paciente Inglês" e "O Talentoso Mr. Ripley", a verdade é que o fez. E porque é que era a pior escolha? Porque como incontinente da citação e da mediação artística que é, um filme para ele é sempre um meio, para o literário, para o poético ou para o pictórico, em vez de um equivalente autónomo - outra coisa - ao romance.

Resultado: nunca os blocos de "Cold Mountain", dos mais épicos, estilo "E Tudo o Vento Levou", aos mais intimistas ou até picarescos, comunicam entre si ou são materiais a transcender. Juntamente com o "cast" (Jude Law/Inman, Nicole Kidman/Ada, e Renée Zellweger como a mulher que ajuda Kidman a transformar-se), são itens de uma listagem de prestígio. Por falarmos neles, actores (e secundários como Donald Sutherland, Brendan Gleeson e Philip Seymour Hoffman, e a participação especial de Jack White, dos White Stripes, como cantor, chamado Georgia): nunca nada do que fazem é particularmente relevante. Uns por frigidez, casos de Kidman e Law. Outros (é o caso de Zellweger) por incapacidade de encontrar o tom certo para a personagem, o que a torna uma das participações mais incomodativas no cinema dos últimos tempos.

Durante algum tempo vai-se falar de "Cold Mountain" porque é tempo de Óscares, e o filme falhou as nomeações principais (foi nomeado para categorias técnicas, e para Zellweger e Law). Mas depois, vamos mesmo esquecê-lo.

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