Eugénio de Andrade

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O projecto "Rota dos Escritores", da Capital Nacional da Cultura Coimbra 2003, começa hoje com um programa em torno de Eugénio de Andrade DR

Os 80 anos de Eugénio de Andrade, que hoje se cumprem, foram assinalados ontem, no Porto, com duas homenagens na Biblioteca Almeida Garrett e na Fundação do poeta. Apesar da chuva torrencial, o público encheu as duas salas.

O auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett não chegou para acolher as largas centenas de pessoas que ontem quiseram associar-se à homenagem a Eugénio de Andrade promovida pela Cooperativa Árvore, no Porto, a pretexto dos 80 anos do poeta.

Em 1993, num colóquio internacional sobre a obra de Eugénio em Serralves, Eduardo Lourenço afirmou que a "extraordinária osmose entre o poeta e a cidade é algo de insólito e mágico". Ontem, apesar da chuva torrencial e de ter sido previamente noticiado que o homenageado não iria estar presente, o Porto fez questão de confirmar a justiça da frase.

Idealizada pelo editor Cruz Santos, a iniciativa, intitulada "Uma Prenda para Eugénio com Algumas Túlipas", incluiu a inauguração de uma exposição com cerca de 30 telas criadas a partir de versos de Eugénio, um longo recital de poemas (dois dos quais reproduzimos nestas páginas) dedicados ao aniversariante por cerca de 40 poetas - alguns lidos pelos próprios, outros pela actriz Romi Soares -, uma excelente leitura de alguns textos do próprio Eugénio de Andrade pela soprano Palmira Troufa, e ainda a interpretação, pela pianista Sofia Lourenço e pelo tenor Rui Taveira, de peças de Mozart, Schubert e Lopes Graça. A fechar a sessão, ouviu-se a voz de Eugénio lendo "As Mães", o poema em prosa que Hermínio Monteiro escolheu para representar o poeta na antologia "Rosa do Mundo".

Antes das intervenções do escultor José Rodrigues, pela Árvore, e do advogado Miguel Veiga, foram lidas mensagens enviadas por Ramalho e Manuela Eanes e pelo PCP/Porto, que, através de Jorge Sarabando, assinalou que Eugénio "soube lembrar as asas redentoras de Guevara, o gesto vital de Catarina e o sangue derramado de José Dias Coelho".

Miguel Veiga, tratando o homenageado apenas por Eugénio, uma vez que, argumentou, o poeta, "tal como os reis e os bispos", já alcançara o direito a "dispensar o patronímico", fez o elogio do homem e da obra, encerrando com um breve poema do autor: "As gaivotas. Vão e vêm. Entram/ pela pupila./ Devagar, também os barcos entram./ Por fim o mar./ Não tardará a fadiga da alma./ De tanto olhar, tanto/ olhar."

Numa breve e emocionada declaração, José Rodrigues recordou que a poesia de Eugénio o reconciliara com o mundo quando, em 1974, após ter vivido a guerra em África, chegou ao Porto "perdido" e "viúvo de tudo". No fim, o escultor pediu uma salva de palmas para Eugénio, sugerindo que ele talvez a ouvisse, uma vez que é curta a distância entre a Biblioteca Almeida Garrett e o Hospital de Santo António, onde convalesce de uma intervenção cirúrgica. O poeta não terá ouvido as palmas, mas pôde ter uma ideia do que se estava a passar na sessão, já que, momentos antes do início da homenagem, às 16h00, recebeu no seu quarto de hospital os poemas e as obras que lhe foram dedicados, reproduzidos em folhas soltas pela editora Asa e acondicionados numa caixa concebida por Armando Alves. "Uma coisa lindíssima, uma coisa realmente de amigos", disse Eugénio ao PÚBLICO, acrescentando a sua satisfação por ver, entre os que quiseram colaborar nesta surpresa, "o Herberto, a Maria Velho da Costa, essa gente toda; não é vulgar num meio um pouco mesquinho como o nosso".

Ainda a sessão da Biblioteca Almeida Garrett mal tinha terminado, iniciou-se uma outra homenagem no auditório da Fundação Eugénio de Andrade - também ele pequeno para acolher todos os presentes -, onde vários escritores amigos (alguns participaram nas duas iniciativas) disseram poemas do autor de "As Mãos e os Frutos". O romancista Lobo Antunes deslocou-se propositadamente ao Porto para estar presente nesta festa de anos ligeiramente antecipada, onde leu dois poemas de Eugénio, entre os quais o recente "Encontro no Inverno com António Lobo Antunes".

Foi ainda exibido pela primeira vez em público o documentário "Coração Habitado", sobre a vida e obra de Eugénio, feito por Arnaldo Saraiva e pela Fábrica das Imagens para o Instituto Português do Livro e da Leitura. O poeta, não podendo estar presente, enviou um texto intitulado "Palavras de Serrúbia", que aqui transcrevemos.

A razão de ambas as homenagens do Porto terem sido marcadas para a véspera do aniversário do poeta prende-se com o facto de hoje se inaugurar o projecto "Rota dos Escritores" (ver texto ao lado), da Capital Nacional da Cultura Coimbra 2003, que abre justamente, no Fundão, com um programa em torno de Eugénio de Andrade.

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