Relatório sobre a pobreza confirma sérias dificuldades em Timor-Leste

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Em 1999, seis em cada dez timorenses via-se nos limiares mais baixos da sociedade Daniel Rocha

Apesar do progresso registado desde 1999, Timor-Leste enfrenta "desafios sociais de grande dimensão", com elevados índices de pobreza, carências em serviços básicos e previsões de contracção económica nos próximos anos.

Um relatório que acaba de ser concluído confirma que Timor-Leste - onde o "capital humano e físico estão esgotados" - é um dos países menos desenvolvidos do sudeste asiático, onde uma em cada cinco pessoas vive com menos de um dólar norte-americano (cerca de um euro) por dia.

O relatório sobre a Avaliação da Pobreza em Timor-Leste, excertos do qual foram hoje obtidos pela Lusa, deverá ser aprovado durante o dia pelo Executivo timorense, começando amanhã a ser analisado em reuniões de trabalho marcadas para Díli e para três outros distritos do país.

O documento confirma as variações nas condições de vida entre os habitantes das zonas rurais e dos espaços urbanos, com os das duas maiores cidades, Díli e Baucau, a viverem em situações melhores do que os restantes cidadãos do país.

Enquanto um em cada sete residentes é considerado pobre em Díli e Baucau, mais de quatro em dez são pobres nas zonas rurais, uma situação que se torna mais dramática quando comparada com a distribuição populacional.

As aldeias de Timor-Leste, onde se concentram três quartos da população, acolhem seis em cada sete pobres do país.

A nível regional, os três distritos ocidentais (Oecussi, Bobonaro e Covalima) contam com um quinto da população, mas apresentam um quarto dos pobres, enquanto os três distritos do leste (Baucau, Lautem e Viqueque) representam um quarto da população, mas menos de um quinto dos pobres.

Diferenças também no acesso a serviços básicos - que chegam a 70 por cento das populações urbanas. Nas áreas rurais, apenas 25 por cento dos residentes dispõe de água potável, 37 por cento de saneamento e 61 por cento de electricidade.

Um sinal das carências, quer na educação quer na saúde, evidencia-se nos gastos do governo nestes sectores, representando respectivamente 25 e 10 por cento do orçamento de Estado.

A despesa do Governo em 2002 atingiu 19 dólares (o mesmo em euros) "per capita" na educação e sete dólares "per capita" na saúde, valores "substancialmente mais elevados do que noutros países com um baixo rendimento".

Um quarto das crianças nunca frequentou a escola

Na educação, "os maiores sucessos" são a reconstrução do sistema escolar e o aumento acentuado do número de matrículas, especialmente para os pobres, raparigas e crianças dos meios rurais, com aumentos de 65 por cento em 1998/99 para 75 por cento em 2000/2001.

Apesar disso, o sector continua a enfrentar vários desafios, entre os quais a crescente população em idade escolar e a elevada taxa de analfabetismo, com mais de sete pessoas em cada dez, com idade superior a 30 anos, que nunca foram à escola. Um quarto das crianças entre os seis e os 18 anos nunca frequentou a escola.

As taxas de repetição de ano (entre 20 e 30 por cento) e de abandono escolar (dez por cento) na escola primária são igualmente elevadas, o que leva a que o custo de finalização dos estudos chegue aos 600 dólares (sensivelmente o mesmo valor em euros) por aluno.

No capítulo da saúde, Timor-Leste tem níveis entre os mais baixos da região. Ê o caso da vacinação completa, que abrange apenas uma em cada dez crianças com idade inferior a doze meses.

Menos de dez por cento dos doentes continuam a recorrer aos serviços existentes, muitos situados a uma grande distância, especialmente nas áreas rurais.

Outro dos problemas que permanece diz respeito à insuficiência alimentar que afecta, em certas épocas do ano, nove em cada dez pessoas, um problema "directamente associado à falta de arroz e milho em quantidades suficientes".

Apesar de representar quatro quintos de todo o mercado de trabalho, o sector agrícola contribui apenas para um quarto do PIB, um factor que se deve aos baixos níveis de produção.

Um problema que resulta quer da má qualidade da terra e das dificuldades no acesso aos mercados quer das carências de infra-estruturas. Note-se, por exemplo, que nos núcleos familiares agrícolas, apenas três por cento usa fertilizantes, adubo vegetal ou pesticidas.

Um quinto da população de Díli está desempregada

A nível urbano, o mercado laboral é marcado tanto, e quase em contradição, quer pelo elevado nível de desemprego quer pelos salários altos que se praticam, uma herança da significativa presença internacional no país.

Estimativas sugerem que um quinto da população em idade activa em Díli e Baucau está desempregada, valores que diminuem acentuadamente com a idade: 43 por cento entre os jovens dos 15 aos 24 anos, 17 por cento entre os de 25/34 anos, e nove por cento para os com idade superior a 35 anos.

No que toca aos salários, os valores praticados em Timor-Leste são "entre duas e três vezes superiores aos da Indonésia".

O elevado nível de desemprego entre os mais jovens é tanto mais preocupante pelo facto de em Timor-Leste metade da população ter menos de 15 anos.

Ainda que as estatísticas possam, em alguns aspectos, indicar o contrário, a avaliação subjectiva feita por centenas de inquiridos para o relatório, sugere que a maioria considera ter havido "mudanças positivas" nas suas condições de vida.

O relatório refere ainda que a população "sente- se significativamente mais capacitada do que nos tempos da governação indonésia", com melhorias no bem-estar económico, especialmente para o terço mais pobre dos habitantes.

Em 1999, os timorenses sentiam "não ter qualquer poder", e seis em cada dez via-se nos limiares mais baixos da sociedade, uma situação que mudou três anos depois.

O documento foi preparado como forma de apoio à Estratégia de Redução da Pobreza do governo timorense, a qual se centra em aspectos como a promoção de oportunidades para os pobres e na melhoria de acessos a serviços sociais básicos.

O Executivo quer também melhorar as condições de segurança alimentar das populações e capacitar as comunidades mais pobres.

A elaboração do relatório teve ainda o apoio do Banco Mundial, Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA).

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