A consciência de que nada pode ser explicado

Sobre um trágico "fait divers" - a história verídica de um homem que durante 18 anos inventou toda uma vida -, fizeram-se dois filmes: "O Adversário", de Nicole Garcia, e "L'Emploi du Temps", de Laurent Canté.

Este (que também está comprado para Portugal, e é uma obra-prima) inspira-se no caso, o chamado "affaire Romand", mas parte depois para um tratamento prodigioso de espaços e superfícies. É menos a narração do caso; é mais a história de uma personagem que se dilui na paisagem, que não quer existir. É uma abstracção, é quase um filme fantástico; é, certamente, um filme de terror - o medo da integração na máquina de trabalho. O filme de Garcia é o mais tradicional relato do "caso verídico". "Tradicional" no sentido em que, como o resto da obra de Garcia ("Le Fils Préferé" ou "Place Vendôme"), é quase um trabalho de ouriversaria à volta dos valores de um argumento, de personagens e de um espaço. "O Adversário" é um melodrama em que a câmara se aproxima o mais que pode de uma personagem (interpretada pelo magnífico Auteil) e do cenário onde ela evolui - as casas, onde o falso médico matou a mulher, os filhos e os pais quando a sua impostura estava à beira de ser descoberta. Mas Garcia faz essa aproximação sempre com a consciência de que nada pode ser explicado (mesmo que em fundo se aviste o horizonte de uma infância perdida) e o máximo que se pode fazer é nomear: o Mal.

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