Referendos locais sem tradição em Portugal

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A campanha de rua que hoje começou tem que recolher cinco mil assinaturas André Kosters/Lusa

A recolha de assinaturas para o referendo local sobre o casino no Parque Mayer iniciada hoje em Lisboa poderá conduzir à realização da terceira consulta do género em Portugal, caso o processo seja aceite pelo Tribunal Constitucional.

Mas a tarefa a que se propõe a comissão promotora deste referendo - composta por alguns nomes sonantes da política e da cultura nacionais - não é fácil. A demonstrá-lo estão já cinco tentativas que falharam por "desrespeitar" a lei.

"Concorda que a Câmara de Lisboa autorize licenças de construção, reedificação, reutilização de edifícios para a instalação no Parque Mayer, junto à Avenida da Liberdade, de um casino?" é a pergunta que aquele grupo pretende colocar aos lisboetas.

Esta já é a segunda pergunta proposta pela comissão, visto que casos de questões mal formuladas ou tentativas de referendar assuntos da competência governamental podem levar o TC, como já aconteceu, a recusar os pedidos de referendo local.

"A grande maioria nunca chega a concretizar-se porque não são acautelados aspectos formais e depois as propostas acabam por ser chumbadas pelo Tribunal Constitucional", disse à Lusa fonte da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

Foi em 1999 que os portugueses assistiram à realização dos dois primeiros referendos locais: um na freguesia de Serreleis, concelho de Viana do Castelo, e outro em Tavira.

Com um universo de menos de mil eleitores, a população da freguesia de Serreleis foi a primeira a ser consultada, a 28 de Abril de 1999. Inquiridos sobre a construção de um polidesportivo por detrás da Igreja local, 76,6 por cento dos eleitores foram às urnas e, por apenas cinco votos, o polidesportivo não foi construído.

No dia 13 de Junho foi a vez da população de Tavira, com 20 mil eleitores, travar a demolição de um depósito de água que considerava ser um monumento local. Menos participativos, já que apenas 36,2 por cento dos eleitores exerceram o seu direito de voto, os algarvios não permitiram que o depósito fosse demolido.

Referendos falhados

Mas ficam por aqui os casos de sucesso. Em Maio de 1991, Bufarda, em Peniche, ficava na "história" como a primeira localidade a tentar o referendo local. A povoação, na altura com cerca de 700 eleitores, queria passar a freguesia. No entanto, o Tribunal Constitucional considerou a proposta ilegal. É que os referendos locais apenas podem contemplar matérias de exclusiva competência do órgão autárquico que requer a consulta e a criação de freguesias é uma competência do Parlamento.

Um mês mais tarde, a 12 de Junho, a Assembleia de Freguesia de Arezede, concelho de Montemor-o-Velho, queria um referendo para saber se a população pretendia fazer parte da freguesia de Arezede ou juntar- se à nova freguesia do Tojeiro.

Novamente aqui era pedido aos eleitores que se pronunciassem sobre questões que são da exclusiva competência do Parlamento, ou seja, sobre os limites geográficos das autarquias.

Mas neste requerimento havia uma outra irregularidade: a pergunta em si - "Quer fazer parte da freguesia de Arezede ou juntar-se à nova freguesia do Tojeiro?" - era confusa.

Segundo a legislação em vigor, as perguntas devem ser "formuladas com objectividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não".

E foi também devido a uma pergunta ambígua que o terceiro pedido, feito a 9 de Julho de 1991, feito pela Assembleia Municipal de Torres Vedras foi negado. A assembleia queria propor aos eleitores três datas alternativas para o feriado municipal. Como as perguntas são sempre seguidas de dois quadradinhos - o do "Sim" e o do "Não" - gerava-se novamente confusão.

O último pedido falhado de referendo local dizia respeito à construção de uma estação de tratamento de resíduos sólidos em Riba de Ave, Vila Nova de Famalicão. O requerimento, pedido pela freguesia, foi chumbado porque, novamente, esta é uma matéria sobre a qual as freguesias não têm competência para deliberar.

São precisas cinco mil assinaturas

A primeira lei do referendo local foi publicada a 24 de Agosto de 1990 e serviu apenas para dois dos seis referendos que se tentaram realizar no país.

Em Fevereiro do ano passado, já com nova lei, o líder do CDS-PP, Paulo Portas, anunciou o início da recolha de assinaturas para a realização de um referendo sobre a polémica construção do Elevador de São Jorge, em Lisboa, um projecto do ex-presidente da câmara, João Soares.

Se o processo tivesse avançado este teria sido o primeiro referendo local desde a publicação, a 24 de Agosto de 2000, da nova lei orgânica.

Agora é a vez do referendo sobre a instalação de um casino no Parque Mayer tentar entrar na "história" dos referendos locais como o primeiro à luz da nova lei.

A campanha de rua que hoje começou tem que recolher cinco mil assinaturas e, caso o Tribunal Constitucional (TC) considere que a proposta de referendo está conforme com a lei, cabe à Comissão Nacional de Eleições marcar a data em que os lisboetas poderão exercer o seu direito de voto.

O grupo de cidadão responsáveis pela nova proposta já teve de prescindir de algumas das personalidades inicialmente inscritas como pertencentes à comissão, por não estarem recenseadas em Lisboa.

"As iniciativas de referendo definitivamente rejeitadas não podem ser renovadas no decurso do mesmo mandato do órgão representativo", refere a legislação.

A comissão promotora para a realização do novo referendo é composta por António Mega Ferreira, Camacho Costa, Carlos Marques, Manuel Maria Carrilho, Manuel Graça Dias, Nuno Teotónio Pereira, Fernando Nunes da Silva, Eduardo Prado Coelho, António Pinto Ribeiro, Miguel Portas, Lígia Amâncio, Mísia, Ana Sara Brito, Alexandra Lencastre e Teresa Villaverde Cabral.

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