A Co-produção Vai Num Dois Cavalos

Três homens, duas mulheres, um cão e um velhinho 2CV. A co-produção, em "Jangada de Pedra", vai num "dois cavalos". "Cast" português (Ana Padrão, Diogo Infante), argentino (Federico Luppi), espanhol (Gabino Diego). À falta de possibilidades orçamentais (mas também à falta de capacidade de delírio, que é o que é permitido sobrar nessas circunstâncias...), George Sluizer contornou o "maravilhoso" da obra de José Saramago, os "efeitos especiais" (fugindo das expectativas intimidantes tipo: "como filmar a separação da Península Ibérica?").

Há menos saga profética e conto-de-fadas, e mais aventura "humana", como se diz: esta é uma história de amizade entre cinco personagens - e um cão. Como todos vão entrando aos poucos para o "dois cavalos", parece que se forma uma espécie de consciência ibérica e uma coincidência ideal entre o multi-nacionalismo do "cast", dos meios de produção, e a parábola a filmar. "Somos todos ibéricos", periféricos e pobres. Acresce que os (poucos) meios à disposição - o lado artesanal - confere a "Jangada de Pedra", filme, um registo saudavelmente pícaro.

São as primeiras impressões do filme, que até começa por surpreender se nos lembrarmos das imagens da anterior, e péssima, obra do realizador, "Mortinho por chegar a casa". Há alguns "efeitos especiais" que poderiam vir de uma versão série Z de "A Guerra dos Mundos" (Qual é o mal? Não se celebrou Ed Wood Jr. por muito pior?), vê-se passar algo que poderia ser o "western" ibérico (se o género tivesse sido institucionalizado) e existe a estranha e sedutora sensação de tudo se passar num "no man's land" que só existe na terra da série B.

Sluizer parecia estar a fazer o impensável: arrasar com a adaptação do "monumento" (por inépcia ou por escolha libertária, tanto faz). Não fez uma coisa nem outra, porque se calhar para ambas é preciso delírio, que é o que sobrava na série B. Acabou por se intimidar pelo tom filosofante, e capitulou (abraçando também a longa duração do romance de José Saramago). Assim, este filme não é o resultado falhado de um gesto arriscado, é o resultado de falta de risco.

A viagem neste 2CV por terras de co-produção torna-se sisuda, e não sabe o que fazer às personagens - os actores também não, mas às tantas já é demasiado tarde para eles pensarem na consistência das silhuetas que interpretam e serem levados a sério.

E parecia estar tudo a postos para uma experiência de "guilty pleasure"...

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