Os Magníficos Tenenbaums

Folheie o álbum de família Tenenbaum, onde há prodígios falhados. Oiça a banda sonora da infelicidade, onde há Beatles, Nico ou Elliott Smith. Delicie-se com "Os Tenenbaums - Uma Comédia Genial", de Wes Anderson.

Depois de Tarantino, Paul Thomas Anderson ou Spike Jonze, eis o último "nerd" de Hollywood e arredores: Wes Anderson. Pela forma como "Os Tenenbaums - Uma Comédia Genial", excêntrico álbum de uma família de génios (falhados), está a ser "desfolhado", o realizador de 32 anos está definitivamente "hip". O filme é como a roupa que o tímido Wes usa: demasiado pequena para o seu tamanho, mas tudo cortado num alfaiate "chic". Ou seja, o minimalismo, a reserva e o humor tão melancólico dos Tenenbaums são feitos à medida de uma colecção de marionetas tristes e desconfortáveis. Como se tivessem sido abandonadas numa gaveta, e, deixadas à sua sorte, não tivessem outra alternativa senão animarem o pequeno mundo (com a dimensão das colagens de parede de um quarto que eternizam a infância para além do prazo) que sobrou daquilo que falharam.

É que há nestes Tenenbaums três crianças-prodígios que não se cumpriram: Margot (Gwyneth Paltrow), que já foi dramaturga prometedora; Richie (Luke Wilson), que já foi campeão de ténis, e Chas (Ben Stiller), que já dominou a finança internacional. Os pais são Royal (Gene Hackman), que deixou a casa, e Etheline (Anjelica Huston), que se refugiou na arqueologia.

Tímido, à maneira texana, Anderson não diz onde é que vai buscar as suas personagens: à imaginação, à memória? Nem por ele responde o seu melhor amigo e parceiro de argumentos, Owen Wilson, que fala de forma ainda mais vagarosa e é ainda mais introvertido (os dois foram nomeados para o Óscar de Argumento Original).

"Tem a ver com o nosso sentido de humor e com as personagens que nos atraem", tenta, apesar de tudo, explicar Anderson. "Adoramos o tipo de personagem que interpreta Gene Hackman: pessoas que dizem o que lhes vem à cabeça, e para quem o politicamente correcto não é um limite."

Gene Hackman é Royal Tenenbaum, um pai totalmente centrado em si próprio. Deixou a família quando os filhos eram pequenos, mas não antes de dizer à sua genial filha (Paltrow) que a peça dela era pouco "convincente". Mas Royal passa agora um mau bocado e quer regressar à família. Finge que está a morrer (ele pensa que se safa com todos os embustes). A mulher fica com os olhos humedecidos na sua presença - ele sabe que ela é uma fraca - e o filho Richie também é um ingénuo. Só Chas suspeita.

O livro do filme

Uma das ideias iniciais para "Os Tenenbaums..." era um filme baseado num livro que, na realidade, não existe. Ou um filme como um livro. Não por acaso, a cidade onde tudo se passa, Nova Iorque, é uma versão de fantasia, estilizada pela literatura (J. D. Salinger é uma referência assumida por Anderson). O filme é uma amálgama de histórias que apareceram numa era longínqua da "New Yorker", revista em cujas páginas se animavam excêntricos milionários e suas dinastias. Anderson olha para tudo isso como o intruso que começou a amar a cidade de longe, do Texas, através das páginas da "New Yorker" que coleccionava (só vive em Nova Iorque há seis anos, e até queria inicialmente filmar em estúdio, imaginando a cidade coberta de neve).

A história dos Tenenbaums está marginalmente relacionada com o "background" do realizador. Como Anjelica Huston no filme, a mãe de Anderson, Texas Anderson, tornou-se arqueóloga após a separação do pai de Wes. Quando ao resto, não custa imaginar uma adolescência recatada, protegida, na origem deste universo, que Wes, das roupas às cores, inventou. Também por aí, Anderson pertence à "família" dos, hoje, tão admirados "movie brats", que, de Scorsese a Coppola, passaram as adolescências de asmáticos ou doentes sozinhos em casa a fazer filmes na cabeça. Não é por acaso que ao segundo filme, "Rushmore", Wes tenha telefonado a Pauline Kael, a pedir à decana da crítica americana, que deu caução, com o seu "carimbo", a filmes dos cineastas da geração de 70, que visse o seu. Wes, Jonze, Thomas Anderson ou O'Russell são a "nova nova Hollywood", prosseguindo os sonhos de independência dos "movie brats". Os tempos são outros, e Wes, Jonze, Thomas Anderson ou O'Russell estão mais defendidos da irresistível atracção do fracasso que seduziu sempre Coppola, Cimino e os outros. Pelo menos, assumem o (seu) fracasso com ironia e sem consequências operáticas.

"Para mim, 'Os Tenenbaums...' é tanto sobre o fracasso como sobre a inteligência. Sempre me fascinaram as pessoas rotuladas de génios. Lembro-me, na escola, de um miúdo que tinha menos dois anos do que eu e que todos os dias tinha de se ir embora à hora de almoço para outra escola por causa da matemática, porque estava dez anos à frente de nós. Era um farrapo, isolado de todos. Há uma relação entre a perfeição e uma espécie de pressão, que pode ser destrutiva."

Ligando estas experiências da memória, está o cinema e os anos de formação de Anderson como "nerd", devorando filmes. "O 4º Mandamento"/"The Magnificent Ambersons", de Welles ou "Os Incorruptíveis Contra a Droga", de Friedkin (responsável pelo estilo do cabelo de Hackman) são dois dos seus preferidos. O genérico de abertura, que é a exposição dos membros desta família e do seu cenário, juntando informação de forma obsessiva e exasperante à la Scorsese e um fôlego poético, ao som de "Hey Jude", dos Beatles, é mesmo uma citação do filme de Welles. Orson como um Tenenbaum?

"Sim, porque por muito que fosse oprimido pelo sistema, tinha um temperamento autodestrutivo. Teve inúmeras oportunidades e um sem-número de actores que queriam apoiá-lo, mas arranjava sempre uma maneira de sabotar as coisas. Tinha uma bomba-relógio dentro de si", explica Wes.

Os reais actores

Wes e o seu cúmplice habitual, Owen Wilson, conheceram-se numa aula de dramaturgia na Universidade do Texas, em Austin. "De início, escrevíamos pequenos contos e começámos a passá-los um para o outro para ver que reacção tínhamos. Então pedi-lhe para entrar numa peça que tinha escrito", conta Anderson, que também escreveu para espectáculos de marionetas. Depois, mudaram-se para Los Angeles.

"Luke, Owen e eu vivemos juntos durante anos e anos", diz Anderson, realçando o contributo do segundo irmão Wilson, Luke. "Andávamos os três juntos, no Texas e em Los Angeles." Foi com Owen e Luke que Anderson se estreou, com "Bottle Rocket" (96) - história de três tipos que querem ser criminosos, mas são demasiado desajeitados. Da experiência, e da nostalgia, de Wes e Owen pelos colégios do Texas nasceria "Rushmore" (98). Os três estão associados de novo no filme sobre os Tenenbaums.

Lembra-se Owen: "Após termos escrito 'Bottle Rocket', Wes tentava convencer-me, a mim e ao Luke, a interpretarmos as personagens, e foi difícil. Não estudei interpretação e não me via como actor. Por isso foi engraçado como tudo sucedeu."

É que Luke e Owen tornaram-se, entretanto, actores - e os "namoradinhos" da América. E devido aos compromissos do seu parceiro como intérprete, Wes teve de escrever sozinho parte do argumento de "Os Tenenbaums...". Habitualmente, não há separação de tarefas. A diferença é que Wilson não gosta de escrever para actores específicos, e Anderson sim. "Quero ter a sensação de que não estamos só a escrever um argumento, mas que estamos a fazer um filme", admite Anderson. Teve sempre Hackman em mente para Royal. O problema é que o actor odeia que escrevam personagens especialmente para si: acha que assim o olham de forma programada.

"Hackman era uma pessoa que tinha em mente, antes de tudo. Como Anjelica Huston. Não quero escrever pelo que tenho visto do trabalho deles, e também não sei o suficiente sobre eles para escrever algo que tenha a ver com a sua vida privada. Basta-me imaginar as caras. Este era o 'cast' que eu queria. São pessoas muito simples. A não ser Hackman, que estava sempre a tentar decifrar. Uma das coisas que descobri é que ele não gosta de ser dirigido. Mas eu tinha as minhas ideias e por isso tinha, forçosamente, que dirigi-lo. Tivemos que nos encontrar a meio caminho. Não houve discussões, mas ele gosta de tensão e sabe tirar partido disso. Não é fácil lidar com ele. Quer ser grande no primeiro 'take'. E de cada vez que queremos fazer outro, ele sente que não fez tão bem quanto devia, e isso ainda o põe mais tenso, o que é uma loucura. Porque Gene Hackman pode fazer o que quer, é o actor mais versátil que conheço."

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