Almeida Santos culpa partidos pela falta de reforma do Parlamento

"Não mereço essa acusação, sempre insisti nessas alterações, não posso votar por eles [partidos com assento parlamentar], o presidente da Assembleia da República não tem todos os poderes", reage António de Almeida Santos quando confrontado pelo PÚBLICO com as acusações de que, em última instância, é a ele que se deve o fracasso da reforma do Regimento.

Almeida Santos frisa mesmo que fez força para que a reforma do Parlamento avançasse e dispara contra os partidos parlamentares: "Tentei. Passei seis anos a lembrar, constitui vários grupos de trabalho. Passava sempre para o ano seguinte. Não houve vontade política."

Justificando-se, explica que foi de sua elaboração, "no final da primeira sessão legislativa", no Verão de 1996, um texto sobre reforma do Regimento, das imunidades e do Estatuto dos Deputados e refere que "é ainda com base nesse texto que têm estado a elaborar o grupo de trabalho e a primeira comissão", ou seja, a comissão de assuntos constitucionais.

Indo mais longe nas acusações aos partidos, advoga: "Por que não se alterou o regimento? Porque no fundo as alterações são desagradáveis às oposições ou ao Governo e ninguém quer, nunca."

Não negando que as alterações "são necessárias", Almeida Santos sublinha que "não é aí que está a questão". E, elevando o patamar da discussão, atira: "O prestígio do Parlamento continua em crise, mas não é só em Portugal. Era preciso haver um acordo com vários países para adaptar as instituições democráticas à modernidade. Corre-se o risco de ficar o pato fora de água, porque a água mudou."

A mudança das águas democráticas

Entrando já no debate sobre a crise do parlamentarismo e o seu desajuste à era da comunicação de massas e às novas tecnologias de informação, Almeida Santos afirma que "os sistemas políticos, em todos os países democráticos, resistem à mudança".

No entanto, Almeida Santos considera que "há um certo anquilosamento das instituições herdadas do século passado, os parlamentos e os poderes democráticos são os mesmos desde o século XVIII" e conclui: "Devíamos ter feito uma adequação das instituições políticas ao mundo moderno, o mundo de hoje é outro e as instituições são as mesmas."

Como exemplo das coisas que acha que não fazem já sentido hoje, Almeida Santos aponta o caso das imunidades: "O princípio hoje é a igualdade, a imunidade é uma discriminação positiva."

Por outro lado, Almeida Santos defende uma mudança radical das regras. E diz que o Parlamento "é a mais desprestigiada instituição, pois funciona à porta aberta, é devastada, o Governo funciona à porta fechada, mas hoje os governos legislam tanto ou mais do que os parlamentos".

Repetindo teses suas sobre as reformas a fazer na política, lembra que "com as novas tecnologias é permitido a consulta directa à distância por telefone, que há sondagens", ou seja, "há formas directas de influenciar a decisão política". Isto, para já não falar da "tribuna do cidadão" que é a televisão. Antecipando-se ao futuro, o presidente da Assembleia da República considera que amanhã poderá haver "uma coisa que é a democracia electrónica, com a instalação de um terminal em casa de cada decisor". E conclui: "É uma outra forma de democracia directa. Temos de reflectir sobre ela."

Garante mesmo que é este olhar que deve ser deitado sobre a crise, em vez de se atribuir a culpa à qualidade dos parlamentares: "Há bons deputados, estão é mal pagos. Se fossem bem pagos, eram mais qualificados. O deputado recebe líquidos 450 contos e arrisca ser devassado."

Partindo para o ataque, Almeida Santos é categórico ao considerar que "as críticas portuguesas ao Parlamento são as mesmas desde o Eça". Só que, agora, "os cidadãos são mais informados na horizontal, é informação superficial, mas o cidadão acha que faria melhor, que tem solução, que é fácil". Ora, jura Almeida Santos: "Governar é difícil, pois é impor limitações à liberdade que está fora da lei."

Mesmo assim acha que deve ser dada a possibilidade aos cidadãos, fora dos partidos, de se candidatarem a deputados e fazerem leis, "em última instância, com o mesmo número de pessoas que podem fazer um partido, 15 mil, "até por que na AR são entregues petições com 40 mil assinaturas". E conclui: "Se elegerem um deputado ou fizerem uma lei que não preste, são criticados."

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