Enorme solidão

Depois da reacção gelada a "Temptress Moon" (1996, nunca estreado comercialmente em Portugal), Chen Kaige ficou com o carimbo de cineasta em perda (até porque nessa altura se intensificavam as acusações dos novos cineastas chineses a uma geração que fazia "filmes de época" para o Ocidente, ignorando a crueza da realidade contemporânea em nome da "chinoiserie"). Mesmo antes de ser visto em Cannes, em 1999, "O Imperador e o Assassino" como que reiterava essa acusação, vindo anunciado como "monstro" académico - até se contava que Kaige tinha querido filmar uma pequena história urbana, mas as autoridades chinesas não quiseram arriscar no retrato da China que daí poderia resultar e, em contrapartida, tinham ficado bastante satisfeitas com "O Imperador e o Assassino", narrativa fundadora de uma nação que confirmava Kaige como "cineasta oficial". Tudo isto será justo e, simultaneamente, injusto. Para já, o filme tem uma das mais ferozes sequências de abertura de toda a obra do cineasta, e é um filme de um virtuosismo seco, o oposto do que Kaige tinha feito no filme anterior (esse sim, desastroso). Mas a verdade é que o cineasta se atrapalhou na montagem, depois das primeiras exibições do filme terem corrido mal. Os cortes que fez para a montagem definitiva terão acentuado alguma aridez (como nos western spaguetti), deixando lacunas no "background" da História chinesa - sobretudo, dificultando o envolvimento emocional com as três personagens principais. O filme oscila entre a tragédia da encenação do poder (o lado "shakespeareano" via Kurosawa) e as narrativas tradicionais de "capa e espada". Do primeiro, não tem o sopro apocalíptico; do segundo, falta-lhe a exaltação. Mas este "resfriamento" (Kaige, cineasta, está obviamente em apuros) carrega o filme de uma enorme solidão.

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