Processo de Saleiro reaberto (actualização)

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Hugo Castanho/PUBLICO.PT

O procurador-geral da República reabriu o processo judicial em curso contra o deputado e ex-governador civil de Beja, soube ontem o PÚBLICO. Souto Moura fez um despacho em que considera existirem "novos elementos de prova" para proceder à reabertura do processo, agora a cargo do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), coordenado pela procuradora-geral adjunta Cândida Almeida.

Neste processo são investigado factos que configuram suspeitas de diversos ilícitos penais, designadamente corrupção passiva, durante a gestão de António Saleiro enquanto presidente da Câmara de Almodôvar.

A reabertura do processo foi decidida na sequência da reapreciação, no gabinete do procurador-geral, de todo o processo aberto em 1997 - após as primeiras notícias do PÚBLICO sobre as actividades de António Saleiro - e mandado arquivar em Outubro passado pelo procurador da República junto do Tribunal Judicial de Beja, Luís Lança. No final de Janeiro deste ano, poucos dias depois de o PÚBLICO ter revelado as circunstâncias em que as investigações judiciais foram encerradas pelo procurador de Beja, Souto Moura divulgou uma nota à imprensa onde anunciava ter "solicitado a remessa do processo para análise pelo seu gabinete, providenciando ainda para que, face ao teor da notícia, o magistrado titular do processo lhe pudesse prestar os esclarecimentos que achasse pertinentes".

Foi esta "análise" que foi concluída nas últimos dias e levou à decisão de retomar as investigações no âmbito do DCIAP, um departamento criado há pouco mais de um ano com o objectivo de centralizar o combate à criminalidade organizada. A decisão de arquivamento tomada em Beja e agora ultrapassada pelo despacho do procurador-geral teve por fundamento uma sumaríssima inquirição de António Saleiro, que estava indiciado pela prática do crime de corrupção passiva, e os testemunhos igualmente sumários e nunca contraditados de cinco pessoas que negaram a prova documental e numerosos testemunhos reunidos pela Polícia Judiciária ao longo de dois anos de investigações.

Entre os elementos que levaram Luís Lança a concluir que "não foi possível estabelecer-se um paralelo entre o património do arguido [António Saleiro] e uma sua actividade ilícita, do ponto de vista criminal", contava-se um documento emitido no ano passado, alegadamente em Macau, por uma empresa de origem chinesa com quem Saleiro mantinha ligações e que tinha desaparecido do território há vários anos, sem que a Judiciária a conseguisse localizar. Além disso, os seus escritórios tinham ardido em meados da década passada.

Nesse documento, que não tinha qualquer espécie de reconhecimento notarial ou certificação legal, alguém não identificado, e que subscrevia a declaração com uma assinatura ilegível, confirmava a versão de Saleiro e de dois colaboradores seus sobre uma sua deslocação ao Oriente em férias e na companhia da mulher e filhos. No processo, constavam documentos que provavam ter a despesa sido paga pela empresa chinesa em questão - uma sociedade que tinha em curso na autarquia almodovarense um processo de licenciamento de um grande empreendimento turístico -, mas o documento junto ao processo pelo advogado João Nabais no ano passado garantia que Saleiro tinha posteriormente reembolsado os chineses, tal como diziam as duas testemunhas.

Além deste caso em que os elementos recolhidos no inquérito judicial foram desvalorizados em circunstâncias que causaram surpresa nos meios judiciais, o arquivamento do processo agora reaberto ficou também a dever-se ao testemunho de dois funcionários do Ministério da Agricultura, um deles vereador socialista em Beja e outro suspenso da suas funções por uso em benefício próprio de máquinas e pessoal dos serviços que dirigia. Indicados como testemunhas por Saleiro, ambos afirmaram ao procurador Luís Lança ter ouvido um agricultor de Almodôvar negar o pagamento de uma comissão ao autarca pela venda de uma herdade aos chineses, que queriam construir um campo de golfe nos arredores da vila. O procurador teve em conta os seus testemunhos e ignorou os documentos bancários, as peritagens da Judiciária e os testemunhos do agricultor que confirmavam o pagamento negado por Saleiro.

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