Há coisas marcantes

É sintomático que se diga que este Lynch é diferente dos outros e, logo a seguir - para ultrapassar as dúvidas que "Uma História Simples" provoca? -, se considere essa diferença como "bizarraria", ou seja, e novamente, o filme seria tão "lynchiano" como os outros.

É um caso complicado, "Uma História Simples": recusá-lo parecerá a atitude de alguém que ficou refém das marcas do cineasta e se sente perdido quando esse cineasta quis cortar com o que se esperava dele (mas as expectativas de quem vê são portas de entrada para um filme, e aliás Lynch jogou com elas em filmes como "Twin Peaks Fire Walk with Me" ou "Estrada Perdida"). A questão é esta: "Uma História Simples" parece menos um sereno avanço - ir "a direito"/ "straight" - do que um movimento de medo. Parece que Lynch precisou de um refúgio para se defender dos insucessos ou da saturação figurativa da sua obra, mas ficou às portas (à superfície de uma tela de Edward Hopper), sem chegar a entrar, de qualquer coisa de novo. É um "acto falhado". Há coisas marcantes: o modo como a obra respira o tempo de Richard Farnsworth, por exemplo, e ao potencial cósmico de histórias desse rosto e dessa existência. O próprio Farnsworth deve ter muitas, já que foi duplo em filmes de Cecil B. de Mille, Ford ou Hawks, e Lynch poderia ter-lhe dedicado (e ao cinema americano) um belíssimo documentário.

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