Crimes Invisíveis

Treze anos depois de "Paris Texas", Wim Wenders regressou à América e à música de Ry Cooder. O filme anterior chegava como momento epifânico, de renascimento - constituía-se nesse filme uma família - de uma obra em estado, que parecia terminal, de amargura e impotência. Foi um "tour de force", alimentou Wenders durante algum tempo. Agora, em cinemascope, e com um telescópio por câmara, o cineasta partiu para Los Angeles. Podia esperar-se outro fôlego. Não aconteceu. Wenders vem entoando há algum tempo a mesma ladainha: detecta vírus, "doenças", sintomas e sinais de mal estar, e de seguida avança com hipóteses de "cura". Para a "doença das imagens", por exemplo, descobriu a "cura das histórias" (isso deu para "As Asas do Desejo"; "Até ao Fim do Mundo"; "Tão Longe, Tão Perto"). O que é contraditório é que a procura de renovação é feita sempre com um olhar "contaminado", derrotado. Em "Crimes Invisíveis", o habitual programa de Wenders sobre o poder das imagens faz um "zoom" sobre a violência. A questão é esta: de tanto baralhar para voltar a dar de novo, de tanto querer chegar mais perto, não se arrisca Wenders a filmar só o vazio? "Crimes Invisíveis" começa numa vila de Beverly Hills como se fosse um filme de ficção científica e depois transforma-se em "thriller" e em qualquer dos casos habita a frieza do filme de tese: há um produtor cinematográfico (Bill Pullman) que faz do medo e da violência o seu trabalho, e que vai sentir na própria pele aquilo que produz em imagens; e há um especialista em informática da NASA (Gabriel Byrne) que em vez de olhar para as estrelas aponta as câmaras para baixo para controlar as manifestações de violência em LA. Todos vão ser afectados pelos actos que desencadeiam; e nem os bem intencionados se livram de causarem a devastação. O que Wenders quer dizer, como um oráculo, é que a violência não vai acabar - ela até tem uma relação profícua com o cinema; ele, por exemplo, é fã de "Taxi Driver". O que deve acabar - The End of Violence", título original - é a violência que não é "humana", aquela que é "desonesta", que é efeito especial. Mas onde é que estão os corpos "humanos"? Não há personagens, há apenas actores - todos razoavelmente frígidos, como Bill Pullman ou Andie McDowell. E são anjos caídos, que se oferecem como invólucros das ideias; ou como naturezas mortas de um quadro vivo ("Nighthawks", de Edward Hopper, é reproduzido). O tom é beato, puritano, asséptico.

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