Médicos mantêm greve marcada para véspera da visita do Papa

A última reunião negocial decorreu de manhã. Protesto vai para a frente.

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O presidente da Federação Nacional dos Médicos, Mário Jorge Neves, e Jorge Roque da Cunha, do sindicato Independente dos Médicos Rui Gaudêncio

Não houve acordo. A greve dos médicos, marcada para os dias 10 e 11 de Maio, mantém-se. Os sindicatos que representam estes profissionais e o Ministério da Saúde tiveram na manhã desta quinta-feira a última reunião antes do protesto e não houve fumo branco.

Pelo contrário, tanto o presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), Mário Jorge Neves, como o secretário-geral do sindicato Independente dos Médicos (SIM), Jorge Roque da Cunha, falam num “retrocesso” nos últimos encontros e lembram que tiveram 16 reuniões em mais de um ano de negociações. Um arrastamento que leva Roque da Cunha a dizer que o ministério tem “empurrado com a barriga” a resolução dos temas fundamentais tanto para os médicos como para o próprio SNS.

Mário Jorge Neves e Jorge Roque da Cunha deram uma conferência de imprensa conjunta onde anunciaram que vão mesmo manter o pré-aviso de greve para a véspera da visita do Papa – uma decisão que tomaram na sequência do último encontro com o Ministério da Saúde e no qual compareceram sozinhos, sem apoio dos gabinetes técnicos, por considerarem que as contrapropostas da tutela “denunciavam que não havia qualquer acordo”.

A reunião com a tutela demorou cerca de uma hora e o sindicalista do SIM diz que foi “um retrocesso” e que o ministério “não só não cumpriu, como voltou atrás” nas promessas relativas aos três temas considerados fundamentais pelos sindicatos: reduzir de 200 para 150 o número anual de horas extraordinárias  que os médicos são obrigados a fazer, de 18 horas semanais para 12 horas o tempo de trabalho nas urgências e de 1900 para cerca de 1500 o número de doentes que cada médico de família tem na sua lista. Alguns destes valores foram acordados entre os sindicatos e o Governo na altura da troika mas deveriam ter vigorado apenas até 2015, altura em que haveria uma revisão das mesmas.

Mário Jorge Neves também destaca o “retrocesso absoluto dos últimos encontros” e diz que, por isso, não vão mesmo desmarcar a greve, até porque considera que cancelar nas vésperas este tipo de protestos “desprestigia” a actividade sindical. O Ministério da Saúde chegou a propor um plano a três anos para reduzir o tempo de trabalho extraordinário, nas urgências e a lista dos médicos de família. Os sindicatos recusaram e pediram que a redução acontecesse até ao fim da legislatura. Na proposta final não ficou nem uma coisa nem outra, com “o ministério a só admitir colocar no texto de acordo a intenção de que estariam disponíveis” para avaliar estes temas.

Ambos os sindicatos reconhecem que os utentes vão sair prejudicados, mas asseguram que a greve “não é contra os cidadãos mas sim contra o poder político que se recusa a dinamizar o SNS”, diz o presidente da Fnam, que nega que a greve tenha fins meramente “corporativos”.

Os sindicatos esperam uma grande adesão ao protesto, com Mário Jorge Neves a frisar que os médicos estão “revoltados e exaustos”. “Há indignação, estupefacção e até sentimento de revolta”, acrescentou. Ainda assim, a Fnam apelou à participação dos clínicos lembrando que os médicos “não mais poderão levantar-se” perante os vários governos se a greve não for expressiva. Questionados sobre se vão fazer uma manifestação em algum dos dias da greve, como aconteceu com a paralisação de 2012, com o então ministro Paulo Macedo, ambas as estruturas negaram essa hipótese.

O próprio Ministério da Saúde já tinha dito que não conseguiria resolver a tempo da greve três temas que são fundamentais para os sindicatos: reduzir o tempo de trabalho extraordinário a que os médicos estão obrigados, de 200 horas anuais para 150 horas; cortar o número de horas que os clínicos têm de trabalhar nas urgências, de 18 para 12 horas; reduzir o número de utentes por médico de família.

Em entrevista ao PÚBLICO, Pedro Alexandre, o representante da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) nas negociações com a Fnam e o SIM, reconheceu que havia temas “complexos” que não iam estar resolvidos em apenas uma semana. Sobre esta entrevista, na conferência de imprensa, Mário Jorge Neves apontou que esta posição transmitida pela ACSS “azedou” as negociações, frisando que não compreende a postura da tutela de delegar na ACSS a transmissão de informações num momento tão sensível.

Ministério diz que falta "reflexão aprofundada"

Já depois da conferência de imprensa dos sindicatos, o Ministério da Saúde salientou em comunicado que nos vários encontros que tiveram nos últimos meses foi possível ir ao encontro dos sindicatos nas “suas posições reivindicativas”.

A tutela salienta várias áreas em que houve acordo nos últimos meses (como a reposição do pagamento das horas extraordinárias ou o descanso compensatório). Mas frisa que existem outros temas que exigem estudos adicionais e “reflexão mais aprofundada sobre a sua viabilidade e oportunidade", lembrando que o calendário negocial decorre até Setembro.

“O Ministério da Saúde pautou-se sempre neste processo por uma atitude de diálogo transparente e permanente”, assegura a nota, onde o ministério de Adalberto Campos Fernandes diz que não pode abdicar do “sentido de responsabilidade” e do “equilíbrio e racionalidade, garantindo a sustentabilidade do SNS”. O ministério acrescenta estar convicto de que “o elevado sentido de responsabilidade dos médicos permitirá compatibilizar o legítimo exercício de um direito constitucional com a protecção indispensável a todos os cidadãos”.

De acordo com a lei, durante os dois dias de greve (10 e 11) serão assegurados os chamados serviços mínimos, onde se incluem as urgências, os cuidados intensivos e tratamentos como quimioterapia e radioterapia. Consultas e cirurgias programadas podem ser adiadas.

O Papa aterra no dia 12 para participar nas comemorações do centenário das aparições de Fátima, estando preparado um grande plano de contingência na área da saúde.

António Marques da Silva, presidente da Comissão de Gestão do Plano de Contingência do Ministério da Saúde para as Comemorações do Centenário das Aparições de Fátima, assegurou ao PÚBLICO que, nem a greve dos médicos, nem a existência de uma tolerância de ponto afectarão a operação de segurança na área da saúde montada em Fátima. “Toda operação está dentro do que é considerado serviços mínimos. Quem for chamado para trabalhar terá de o fazer e depois goza a tolerância ou uma folga noutro dia”, garantiu António Marques da Silva.

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