Modelo de vida independente em discussão é “limitado” e “incompleto”

Apoio previsto pelo Governo é de 40 horas semanais. Um problema, dizem associações do sector e especialistas, apesar de reconhecerem o avanço que representa a proposta.

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Câmara de Lisboa já está a desenvolver um projecto na área da Vida Independente Guilherme Marques

Se alguém precisa de um assistente pessoal para responder às suas necessidades, não será com 40 horas semanais que as coisas vão ficar solucionadas.” A afirmação é da presidente da Associação Portuguesa de Deficientes, Ana Sezudo, e sintetiza a principal crítica das associações que representam as pessoas com deficiência à proposta de Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI) apresentada pelo Governo.

O apoio por assistentes pessoais às pessoas com deficiência está limitado a um máximo de oito horas diárias. Por isso, apesar de representar um avanço nas políticas de apoio, o projecto que está em discussão pública até, pelo menos, à próxima segunda-feira é “limitado” e “incompleto”, afirma Ana Sezudo.

Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Segurança Social faz saber que o prazo para a discussão pública pode vir a ser prolongado.

A proposta, que deve vigorar na base de projectos-piloto até 2020, estabelece um máximo de 40 horas semanais de apoio por pessoa, divididos em períodos de uma a oito horas diárias. “O apoio à vida independente não se enquadra em fracções de tempo”, diz o presidente da Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes, José Reis.

Há outros problemas apontados pelas organizações que representam as pessoas com deficiência e por especialistas, ainda que todos os contactados pelo PÚBLICO elogiem o passo que está a ser agora dado. “Este modelo representa um avanço significativo nas políticas de deficiência em Portugal”,  defende o investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Fernando Fontes.

O modelo está, contudo, “incompleto” para Ana Sezudo. O projecto centra-se na disponibilização de uma pessoa que presta assistência pessoal para actividades diárias a quem tem uma deficiência. “Essa é apenas uma das componentes da vida independente. Ainda falta aqui muita coisa”, justifica a dirigente, dando o exemplo da acessibilidade, um entrave à autonomia das pessoas com deficiência: “Não é um assistente pessoal que vai ajudar a transpor um lanço de escadas.”

Uma lógica de dependência

A coordenadora do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, Paula Costa Pinto, encontra outras “lacunas” na proposta do Governo. Desde logo, o facto de serem usadas definições médicas de deficiência (grau de incapacidade igual ou superior a 60%) para estabelecer quem tem direito ou não ao apoio de assistentes pessoais. “É contraditório com o modelo de vida independente que está estabelecido internacionalmente”, defende.

“Há problemas neste documento que urge alterar de forma a não desvirtuar os princípios e a filosofia da vida independente”, concorda o sociólogo Fernando Fontes.

Para este especialista, a proposta actualmente em discussão mantém “uma lógica de dependência face aos serviços”, uma vez que o plano individualizado de assistência pessoal não é definido apenas pela pessoa com deficiência, mas por esta juntamente com uma IPSS, ao mesmo tempo que a selecção do assistente pessoal é feita a partir de uma bolsa disponível, condicionando a liberdade de escolha do assistente.

Outra das preocupações partilhadas pelas associações e especialistas é o facto de o financiamento dos projectos-pilotos ser assegurado por fundos comunitários do programa Portugal 2020. Estima-se que seja possível o acesso a cerca de 15 milhões de euros de dinheiro europeu. A estimativa do Ministério da Solidariedade e Segurança Social é que 200 pessoas possam ser abrangidas pela experiência nos próximos três anos, um número considerado insuficiente pelos organismos do sector.

Também em discussão pública, mas até pelo menos 17 de Março, está a criação da Prestação Social para a Inclusão, um novo apoio do Estado às pessoas com deficiência que tem um valor-base de 260 euros mensais. O Orçamento do Estado deste ano prevê um acréscimo de despesa de 60 milhões de euros para a execução da primeira fase deste apoio, que o Governo antevê que possa abranger cerca de 120 mil pessoas.

A medida é “positiva”, diz Ana Sezudo, que nota, contudo, que esta só estará a funcionar em definitivo dentro de dois anos. Só nessa altura estarão disponíveis os complementos para pessoas com carência económica e uma majoração destinada a apoiar “encargos específicos efectivamente comprovados”. “É demasiado tempo para fazer uma transformação no sistema”, avalia Paula Campos Pinto, do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos.

O debate prossegue. Quem quiser participar pode aceder às propostas no site do Instituto Nacional para a Reabilitação e enviar os seus comentários para PSI.consulta.publica@mtsss.gov.pt e MAVI.consulta.publica@mtsss.gov.pt.

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