Vitória de Hamon nas primárias reaviva crise do PS francês

A vitória do líder da ala esquerda socialista foi categórica mas ameaça dilacerar o partido que se encontra num estado de extrema fraqueza. Se for esmagado nas presidenciais terá de rever o seu projecto.

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A candidatura de Emmanuel Macron ocupou o espaço do centro e da direita socialista Reuters

Depois da vitória de Benoît Hamon nas primárias do Partido Socialista, o tema do dia em França é o futuro do próprio PS. É a primeira vez que um dirigente da ala esquerda é designado candidato às presidenciais. O seu projecto não é vencê-las mas preparar a conquista da direcção do PS pela sua esquerda. A crer nas sondagens e na desorientação do partido, o resultado eleitoral pode ser catastrófico.

Hamon tem pela frente uma tarefa pouco invejável. Propõe-se reconciliar o campo da esquerda, pensando sobretudo na extrema-esquerda de Jean-Luc Mélenchon. Este não parece interessado, pois aposta mais alargar o seu eleitorado do que salvar a esquerda do PS. Mais difícil ainda será persuadir parte do eleitorado socialista a votar no seu programa. O vencido Manuel Valls avisou entretanto: “Não poderei defender o seu programa.”

O politólogo Fabien Escalona atribui a vitória de Hamon a uma revolta: “Podemos interpretar a vitória de Benoît Hamon como a revolta de um eleitorado de esquerda cansado dos aparelhos tradicionais e dos seus dirigentes desde há muitos anos.”

A maioria das análises foca a divisão e no futuro do PS. Le Monde dá conta da possibilidade de defecção de militantes, inclusive alguns parlamentares. A ruptura entre os “dois socialismos”, a ala esquerda que prefere ser oposição e a ala social-liberal que prefere o exercício do poder, não provocará uma secessão, escreve Gérard Grunberg, politólogo e historiador do PS. A ala direita é neste momento demasiado minoritária para isso. “O que na realidade ameaça o Partido Socialista é um fenómeno de outra natureza, a defecção, ou seja, a multiplicação de abandonos individuais para outras formações políticas”.

Após vários “massacres” eleitorais, o PS “está quase agonizante”, tendo perdido o seu enraizamento local. É um partido sem projecto mobilizador. Os seus dirigentes têm hoje um fantasma: o regresso a 1969, em que os socialistas da altura (SFIO) tiveram 5% nas presidenciais, abrindo caminho à sua completa reconstrução por François Mitterrrand, em 1971.

O factor Macron

Um factor inesperado acelerou a desorientação do PS: a candidatura de Emmanuel Macron. Depois da desagregação do Partido Comunista, o PS beneficiava de amplo espaço político, entre a extrema-esquerda e a direita, o único na sua área a ser capaz de ascender ao poder. Ao ocupar o espaço da direita do PS e ao seduzir o eleitorado centrista, Macron reduz o espaço político do PS.

François Mitterrand impôs-se defendendo a tese de que o PS só alcançaria o poder apostando numa “união de esquerda”, dos comunistas até ao centro. A “união” de Mitterrand tornou o PS hegemónico na esquerda. Hoje, anotam os analistas, tal união é hoje uma quimera e é o próprio PS que se estilhaça.

A ascensão da Frente Nacional, de Marine Le Pen, criou um campo político tripolar, que hoje ameaça eliminar o PS na primeira volta. E Macron, se sobreviver politicamente, candidatar-se-ia a liderar a “modernização” de um centro-esquerda.

A demonstração será feita na primeira volta das presidenciais. jafernandes@publico.pt

 

 

 

 

 

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