Marcelo exige ao Governo e ao Parlamento descentralização até às autárquicas

Presidente da República pede "acordo de regime" e defende que "ainda há tempo" até às eleições para aprovar a legislação, contrariando o Governo, que remetera a grande descentralização para 2018.

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“Pena tenho eu de nunca poder ter desempenhado funções de presidente de freguesia", disse Marcelo Rebelo de Sousa às centenas de autarcas que vieram de todo o país até à Aula Magna, a convite do Chefe de Estado. Miguel Manso

O aviso é claro: o Presidente da República quer um "acordo de regime" para que seja aprovada até às eleições autárquicas deste Outono a legislação sobre a descentralização de competências para as autarquias - e foi isso mesmo que Marcelo Rebelo de Sousa pediu esta sexta-feira ao Governo, aos partidos e à Assembleia da República no seu discurso no encontro que promoveu com centenas de presidentes de juntas de freguesias de todo o país

"O objectivo deste nosso encontro de hoje é também olhar para o futuro imediato. Temos à nossa frente escassos meses para fazer aprovar legislação que leve mais longe o sonho, que leve mais longe o poder local democrático nascido em 1974. Temos poucos meses porque não faz sentido deixar para a véspera das eleições a aprovação de legislação autárquica", vincou o Chefe de Estado. Uma descentralização que deve implicar “condições legislativas e financeiras para o cumprimento da missão” dos autarcas.

“Este é o momento: estão reunidas as condições para um verdadeiro acordo de regime em termos de descentralização”, defendeu Marcelo Rebelo de Sousa, que inclua o “reforço das suas atribuições, a consolidação das competências para se ultrapassar a fase da dependência da iniciativa casuística dos municípios ou do Estado, e a estabilização financeira”. E insistiu: "Esqueçam o que os divide, pensem no essencial que os deve unir e aprovem essa legislação".

Esta exigência do Presidente da República vem pressionar o calendário do Governo mas também coloca responsabilidades no PSD. Por um lado, António Costa quer fazer aprovar o quadro da descentralização de competências das autarquias ainda este ano, antes das autárquicas, entregando as propostas legislativas no Parlamento até final de Março; mas ao mesmo tempo vai deixar para 2018 o outro nível da descentralização: o do novo regime das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) que passam a ser escolhidas pelos autarcas, e o das áreas metropolitanas, cujos responsáveis o programa de Governo previa que passassem a ser eleitos directamente já nas autárquicas deste ano.

Já o PSD, que viu chumbadas as suas propostas de reforço do financiamento e das competências das autarquias no âmbito do Orçamento do Estado para 2017, anunciou que voltará a apresentá-las no Parlamento. Este foi o único dossier a aproximar PSD e PS, e num debate quinzenal de Dezembro em que António Costa escolheu a descentralização como tema central, Pedro Passos Coelho comprometeu-se a dar contributos e a envolver o seu partido na discussão. Na altura, o primeiro-ministro defendeu que a melhor forma de celebrar os 40 anos do poder local era assumir a descentralização "como a pedra angular da reforma da Estado" e um dos objectivos é ter as autarquias a gerir 19% das receitas públicas no final desta legislatura.

À esquerda, em especial com o PCP, que tem uma forte implantação autárquica, a discussão da descentralização não se avizinha pacífica. Até porque continuam paradas no Parlamento as propostas comunista e bloquista para a reversão da fusão de freguesias. E o PSD já se afirmou contra a eleição directa dos presidentes das áreas metropolitanas.

Para quem tivesse dúvidas sobre o recado, Marcelo Rebelo de Sousa foi muito directo no seu discurso aos autarcas, falando até na terceira pessoa: "O Presidente está a dar um sinal aos partidos, Governo, oposições, Assembleia da República, muito simples: no seu entendimento é este o momento de levar mais longe o aprofundamento do poder local democrático. É isso que Portugal merece e deve ter."

Aos presidentes de juntas de freguesia que aceitaram o seu convite para se reunirem na Aula Magna da Universidade de Lisboa, o Chefe de Estado agradeceu os últimos “quatro anos de dedicação a Portugal”. Disse que o poder local é “um fusível da segurança da democracia portuguesa” e que as autarquias “têm sido o travão de experiências menos democráticas” por estarem “junto das pessoas”, compreenderem os problemas e satisfazerem as necessidades dos cidadãos.

Contou “saber o que é ser autarca”, uma vez que foi presidente das Assembleias Municipais de Cascais e de Cabeceiras de Basto e vereador municipal de Lisboa. E confessou uma mágoa. “Pena tenho eu de nunca poder ter desempenhado funções de presidente de freguesia.”

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