A Gâmbia quer deixar para trás duas décadas de tirania

A derrota de Yahya Jammeh representa o fim de uma ditadura brutal em que os direitos humanos foram desprezados e os gambianos entregues à pobreza. Os novos líderes falam agora de um novo país.

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Um homem dá um pontapé num cartaz com a cara do ex-Presidente da Gâmbia, Yahya Jammeh Marco Longari / AFP

Dizia que ia governar “mil milhões de anos” e que apenas Alá o poderia retirar do poder. Não foi preciso tanto – bastaram umas eleições. Yahya Jammeh aceitou a derrota nas eleições presidenciais na Gâmbia, pondo fim a um período de 22 anos no poder. Abre-se uma nova etapa num dos mais pobres e isolados países africanos. Permanecem, porém, muitas dúvidas sobre até que ponto a transição poderá ser realmente pacífica.

“Os gambianos decidiram que eu devo ir para o lugar de trás.” Foi com estas palavras que Jammeh surpreendeu um país habituado a duas décadas de repressão violenta e onde a vontade popular era ignorada. As eleições do final da semana passada pareciam não ser excepção. Para impedir apelos ao voto, a ligação à Internet foi cortada pelo Governo durante quase todo o dia das eleições. Em Abril, o principal líder da oposição foi preso acusado de ter organizado um protesto ilegal.

A oposição parecia ter um quadro ainda mais desfavorável do que em eleições anteriores. Adama Barrow, um ex-agente imobiliário que substituiu o líder da oposição detido, era visto como um nome de recurso encontrado à última da hora para fazer frente ao todo-poderoso Jammeh – um ditador que promoveu um culto em torno da sua personalidade, adoptando o título pomposo de “Excelência Sheikh Professor Doutor Presidente”.

A concessão de derrota de Jammeh terá acontecido assim que o ditador percebeu que tinha perdido o apoio das elites que o tinham mantido no poder. “Ele não tinha apoio da comunidade internacional, dos militares, nem da polícia. Ele estava isolado”, diz ao jornal The Guardian Fatoumata Jallow-Tambajang, dirigente da coligação de oposição.

A saída de cena de Jammeh abre a possibilidade de um novo futuro para os gambianos, que na sua maioria enfrentavam uma escolha entre permanecer num país muito pobre e com graves carências alimentares ou tentar a perigosa travessia por terra e mar até à Europa. Estima-se que mais de dez mil tenham chegado a Itália desde o início do ano, depois de atravessarem o deserto do Sara e o mar Mediterrâneo.

Nas suas duas décadas no poder, Jammeh conduziu uma política externa que conduziu o país – uma pequena língua de terra rodeada pelo Senegal com 70 quilómetros de costa – a um crescente isolamento. A decisão mais recente foi a saída da Gâmbia do Tribunal Penal Internacional, mas antes Jammeh já se tinha retirado da Commonwealth, que caracterizou como um organismo “colonial”. Há vários anos que a União Europeia tem milhões de euros de ajuda para o desenvolvimento bloqueados por causa das violações de direitos humanos atribuídas ao regime de Jammeh.

“O novo Governo vai atrair a atenção de Bruxelas. A Europa irá querer tentar reduzir o número de gambianos a quererem emigrar e será mais fácil no pós-Jammeh negociar com a Gâmbia”, diz à Reuters o analista da Chatham House, Alex Vines.

O regresso do país ao Tribunal de Haia deverá ser uma das primeiras decisões do próximo Presidente. “O TPI é sinónimo de boa governação. Se queremos fazer parte disso, acho que não há necessidade de se abandonar o TPI”, disse Barrow ao Washington Post. O novo líder prometeu que estará no poder apenas três anos – período que diz ser de “transição” – para então haver novas eleições democráticas.

Apesar do optimismo, o trauma deixado pelos 22 anos de governação de Jammeh não foi embora. A oposição teme que o ditador não tenha sido totalmente sincero quanto à sua intenção de abandonar o poder e que, na verdade, ambicione forçar um regresso pela força. “Tenho fontes credíveis que dizem que ele tem bunkers em Kanilai”, disse Jallow-Tambajang, referindo-se à aldeia natal de Jammeh, para onde ele quer regressar. A nova administração prefere-o ter por perto e quer que ele responde pelos abusos que cometeu enquanto Presidente. “Não confiamos nele”, diz a dirigente da oposição.

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