Papa vai visitar memorial na Arménia mas dificilmente dirá a palavra “genocídio”

O Papa Francisco começa esta sexta-feira uma visita ao primeiro país cristão do mundo. A Turquia estará atenta.

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Não seria a primeira vez que o Papa Francisco usaria a palavra “genocídio” para se referir ao massacre de 1,5 milhões de arménios. Mas o mais provável é que durante a viagem que fará à Arménia a partir desta sexta-feira evite o termo que tanto enfurece a Turquia – que já não vê a visita com bons olhos. “A grande catástrofe” é a expressão que normalmente ajuda a resolver esta antiga questão diplomática.

Durante esta deslocação de três dias, as concessões não são totais: o Papa Francisco vai a Tsitsernakaberd, conhecido geralmente como o memorial do genocídio, prestar homenagem às vítimas. Mas o programa da viagem chama-lhe “memorial dos massacres”. Ainda antes de partir, o Papa enviou ao povo arménio uma mensagem em vídeo na qual afirma que este foi sujeito “ao sofrimento mais terrível de que a humanidade se lembra”.

Há um ano, o Pontífice descreveu o massacre que ocorreu entre 1915 e 1923 por parte das forças turcas como “o primeiro genocídio do século XXI”, levando a Turquia a chamar o seu embaixador no Vaticano e a deixar o posto vazio durante dez meses (uma eternidade em termos diplomáticos, recorda a Reuters). Agora, o Papa muda de tom para tentar que a visita não fique refém da semântica.

O porta-voz de Francisco afirma que a frase arménia Medz Yeghern, traduzida como “o grande mal” ou “a grande catástrofe”, será usada em vez de “genocídio”. “Porquê esta obsessão em usar a palavra ‘genocídio’ e inclui-la em todas as perguntas?”, lançou Federico Lombardi aos jornalistas durante um encontro com a imprensa antes da viagem. “Nós sabemos o que aconteceu. Nenhum de nós está a negar que houve massacres terríveis. Reconhecemos isso. Vamos ao memorial precisamente para recordá-lo mas não queremos que isto se torne numa armadilha nas discussões políticas e ideológicas”. A Reuters recorda que também o Presidente americano, Barak Obama, tem optado por falar no Medz Yeghern para se referir ao massacre.

O Governo de Ancara reconhece que muitos cristãos arménios que viviam no Império Otomano foram mortos durante os confrontos da I Guerra Mundial, mas não só refuta os números como insiste que não houve campanha orquestrada para matar os arménios de forma sistemática, rejeitando por isso o termo genocídio (que é usado por vários historiadores e reconhecido formalmente por 22 países, incluindo uma dezena de Estados europeus; a Turquia e o Azerbeijão são os únicos a negá-lo oficialmente). Também sustenta que muitos turcos muçulmanos perderam a vida nessa altura, quando os arménios se aliaram às forças russas e ocidentais para construir um país independente no Leste turco, enquanto o Império Otomano se desmoronava.

Por outro lado, o Papa também recusou referir-se à morte de cristãos no Médio Oriente às mãos do autoproclamado Estado Islâmico como “uma forma de genocídio”. “Quero dizer isto claramente: não gosto quando se fala em genocídio de cristãos, como por exemplo no Médio Oriente. Isto é reducionismo. Na verdade, é uma perseguição que leva os cristãos a serem fiéis à consistência da sua fé”, declarou durante um encontro com estudantes em Roma, no fim-de-semana.

No entanto, quando em Abril de 2015 denunciou a forma como o mundo ficava indiferente à perseguição dos cristãos naquela região, foi a expressão “uma forma de genocídio” que escolheu. Na mesma altura, comentou a propósito do massacre de arménios: “Esconder ou negar o mal é permitir que uma ferida continue a sangrar sem a sarar”.

A Arménia foi o primeiro país a adoptar o cristianismo como religião estatal, em 301, 12 anos antes de o Império Romano dar aos cristãos liberdade religiosa. No século V a Igreja Apostólica arménia separou-se de Roma e faz parte das igrejas ortodoxas orientais. Actualmente existem apenas 280 mil católicos entre os três milhões de habitantes.

No vídeo enviado aos arménios, Francisco realça precisamente que esta é “uma visita ao primeiro país cristão”. A viagem é uma forma do Papa “agradecer à nação arménia a sua fidelidade a Cristo, a sua fé, a sua resistência”, afirmou o arcebispo armeno Raphael Minassian à Catholic News Agency. A Arménia é “um país cristão” que mesmo sob o regime comunista “manteve a sua fé muito forte, dentro das famílias”.

Na agenda de Francisco está também uma missa ao ar livre em Gyumri, a segunda cidade arménia, e a visita ao mosteiro de Khor Virap, próximo da fronteira com a Turquia.

Aproveitando a presença do Papa, o director dos Arquivos Nacionais da Arménia, Amatuni Virabyan, irá pedir autorização para estudar o massacre nos arquivos secretos do Vaticano – “considerados dos maiores do mundo”, cita o site arménio Asbarez. “O povo arménio tem contactos com o Vaticano desde os séculos III e IV, e estes arquivos têm muitos documentos sobre a nossa história que nunca foram revelados nem publicados”.

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