Valls perdeu prova de força ao tentar proibir manifestação de sindicatos

A proibição gerou críticas de dentro do próprio Partido Socialista, onde a decisão de Hollande e Valls foi considerada "um erro histórico".

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Executivo francês receia repetição da violência dos protestos de 14 de Junho ALAIN JOCARD/AFP

A manifestação contra a reforma da legislação laboral que o Governo socialista francês tentou proibir tem afinal luz verde para sair esta quinta-feira à rua em Paris, mas os estragos para o primeiro-ministro Manuel Valls, adepto da linha dura, são grandes. O recuo do Governo mostrou também desacordo entre o primeiro-ministro e o Presidente – uma brecha no pacto feito entre dois homens para tentar reeleger François Hollande em 2017.

A marcha de protesto promovida pela GGT e outros sindicatos em protesto contra o novo Código do Trabalho só se poderá realizar num percurso reduzido, de apenas 1,6 km, e em circuito fechado, girando sobre si própria, determinou o Ministério do Interior. Será na bacia do Arsenal, circundando a Praça da Bastilha, num espaço julgado demasiado apertado para o número de participantes esperados, dizem os sindicalistas.

Na Internet, abundam as tiradas irónicas sobre esta manifestação em circuito fechado – e preocupações sobre a possibilidade de haver violência, se no meio da marcha surgirem elementos provocadores, como a 14 de Junho. Bernard Cazeneuve, ministro do Interior foi taxativo: "Não será tolerada violência alguma". Além disso, a manifestação vai decorrer mesmo frente à 4.ª esquadra de Paris.

De acordo com as autoridades francesas, foi o “receio de repetição de episódios de violência” verificados em anteriores manifestações, como a de 14 de Junho, em que “pelo menos 800 agressores” participaram, que levou à interdição inicial da manifestação. Vinte e oito polícias ficaram feridos, foi atacado o Hospital Pediátrico Necker, 58 pessoas foram detidas, algumas estrangeiras, e foram apreendidas 1500 granadas e outro material, diz o Le Monde.

Desde a guerra da Argélia

Foi em nome de querer evitar confrontos como os da manifestação de 14 de Junho, que executivo de Manuel Valls se tornou o primeiro a interditar um protesto desde 1962, convocado em nome da “paz na Argélia.” A prefeitura de Paris divulgou um comunicado, quarta-feira de manhã, em que dizia não ter escolha, uma vez que sete dos sindicatos envolvidos recusaram fazer um comício parado, mais fácil de controlar pelas autoridades.

O Libération dava conta de que no jantar de terça-feira no Palácio Presidencial do Eliseu com o primeiro-ministro e o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, os governantes tinham concordado que a polícia parisiense só poderia aceitar duas alternativas: ou um comício, sem marcha, ou a proibição da manifestação. Manuel Valls tinha avançado a sua escolha: a interdição pura e simples. Uma opção dura, à Valls.

Que, segundo o Le Monde, não seria a preferida do Presidente François Hollande. De manhã, o Eliseu reagiu de forma ambígua ao anúncio da medida, enderençando a responsabilidade pela decisão de proibir a manifestação “aos actores no terreno”, que seriam a prefeitura e o Ministério do Interior.

A descoordenação entre as várias figuras do Governo tornou-se evidente. Sem que ninguém chegasse a assumir a decisão politicamente, os sindicatos recusaram o “não” e exigiram uma reunião de emergência com o executivo, da qual saiu o recuo, assumido pelo ministro do Interior. Ao mesmo tempo, o Governo e François Hollande ficaram sob uma chuva de críticas.

“Considero, e estou a medir as minhas palavras, que este é um erro histórico”, afirmou o deputado socialista Christian Paul , consternado por ver um Governo de esquerda a proibir uma manifestação. A ex-ministra da Cultura, Aurélie Filippetti, considerou “um acto extremamente grave proibir uma manifestação”.

Filippetti é hoje uma das dissidentes mais à esquerda da actual linha do PS, e não perdeu a oportunidade de espetar uma faca na dupla Valls-Hollande, ligados por um pacto para a tentativa de reeleição do impopular Presidente nas eleições de 2017: “É uma prova de fraqueza”.

As críticas chegaram também da extrema-direita, pela voz de Marine Le Pen, da Frente Nacional, que classifica a decisão como um “grave atentado à democracia”. Ainda que, há um mês, a mesma Le Pen tenha defendido o oposto: “Quando se está em estado de emergência, não há manifestações”, tinha afirmado na rádio Europe 1.

Até Nicolas Sarkozy, antigo Presidente francês e pré-candidato às presidenciais de 2017, contrariou a posição de várias figuras do seu partido e afirmou que proibir o protesto “não era razoável”.

O balanço deste dia? “A linha Valls, a da prova de força, perdeu. O Eliseu desligou-se curiosamente do processo de tomada de decisão, remetendo a responsabilidade para a prefeitura de polícia e o Ministério do Interior. François Hollande, que estava a conseguir chegar a um compromisso com os sindicatos, parece ter assumido este dossier [da reforma da lei do trabalho]”, analisa Nicolas Chapuis, editor da secção de política do Le Monde.

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