PCP quer proibir a expulsão judicial de estrangeiros com vida feita em Portugal

Proposta impede expulsão de estrangeiros nascidos em Portugal ou que estejam cá desde antes dos dezanos ou que tenham filhos menores aqui. PCP espera apoio do PS, porque propõe regresso ao regime criado em 2007, quando Costa era ministro da Administração Interna.

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O SEF não sabe a quantos estrangeiros com residência em Portugal foi aplicada a pena acessória de expulsão PAULO RICCA

O PCP quer que as regras que permitem a expulsão judicial de cidadãos estrangeiros que residem legalmente em Portugal sejam restringidas, para evitar expulsar qualquer pessoa que, apesar de ter sido condenada em tribunal a cumprir pena de prisão, nasceu neste país ou aqui tenha filhos a seu cargo.

Em 2012, o Governo PSD/CDS de Pedro Passos Coelho alterou a lei de 2007 sobre o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, e passou a permitir que, em caso de o cidadão ser considerado uma “ameaça para a ordem pública”, ter cometido ou haja razões para acreditar que tenciona cometer um atentado à segurança nacional ou ordem pública portuguesa ou da União Europeia, ou existam “fortes indícios da prática de factos puníveis graves”, este seja expulso do país independentemente dos laços familiares que tenha em Portugal.

“As justificações que a lei permite para a expulsão destes cidadãos são de tal forma abrangentes que cabe ali tudo”, afirmou ao PÚBLICO o deputado comunista António Filipe. “As pessoas nasceram cá, viveram aqui a sua vida toda ou grande parte dela, educaram-se cá, formaram família. Se a pessoa cometeu um crime cá, então é porque foi a nossa sociedade que falhou. Deve ser punido cá e fazer a reabilitação e reintegração social aqui”, acrescenta.

“Não faz qualquer sentido que, com a invocação discricionária de razões securitárias, o Estado português se arrogue o direito de expulsar cidadãos para países com que estes não têm qualquer outra relação que não seja um vínculo formal de nacionalidade que não corresponde à realidade da vida”, lê-se na exposição de motivos do projecto de lei que o PCP entregou esta sexta-feira no Parlamento e a que o PÚBLICO teve acesso,

O diploma propõe-se alterar apenas um artigo da lei, retirando a referência a quaisquer excepções à regra da valorização da ligação a Portugal, impedindo assim subterfúgios para a expulsão. Assim, passariam de facto a não poder ser expulsos todos os cidadãos estrangeiros que, mesmo cometendo crimes considerados graves, tenham nascido em território português ou aqui tenham chegado com idade inferior a dez anos e aqui morem, que tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou de Estado terceiro mas que aqui morem.

“A pena acessória de expulsão tem toda a lógica e cabimento para cidadãos que cometam aqui crimes e não tenham ligação familiar ou social ao país, mas não nestes casos, em que para muitos a única realidade conhecida é a portuguesa”, insiste António Filipe. “E não temos o direito de fazer recair sobre outros países responsabilidades que eles não têm”, como é o caso de receber coercivamente cidadãos sem nada – casa ou outros bens, possibilidade de emprego, família ou amigos.

António Filipe exemplifica com o caso retratado no PÚBLICO, já este ano, de uma expulsão em 2015, após o cumprimento da pena de prisão, para Cabo Verde. Isolino Tavares Rocha, que estava preso há sete anos, com três condenações por tráfico de droga, no Estabelecimento Prisional do Linhó (Sintra), foi levado pelo SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de madrugada, directamente da prisão para o aeroporto de Lisboa e embarcado num avião rumo à ilha cabo-verdiana de São Vicente (que nem sequer era a da sua origem).

O PCP está a contar com o apoio do PS, porque, diz, trata-se de repor o regime definido pelo Governo socialista de José Sócrates que António Costa integrou como ministro da Administração Interna. Mas também é verdade que poderá encontrar agora dificuldades, já que o PS votou ao lado do PSD e CDS aquando da revisão da lei, em 2012.

Questionado pelo PÚBLICO sobre quantos estrangeiros com residência em Portugal foram expulsos do país devido à aplicação de penas acessórias de expulsão na sequência de processos judiciais, o SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras respondeu que “não dispõe, neste momento, de dados estatísticos relativos a expulsões desagregados pelos indicadores solicitados”. Mas faz questão de garantir que “todos os processos de afastamento foram concretizados nos termos da lei, designadamente no que respeita à ponderação dos limites à expulsão”.

De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2015, no ano passado foram expulsos do país 363 cidadãos estrangeiros, uma redução em relação ao ano anterior, quando tinham sido 437. Destes números, porém, apenas menos de um terço dirão respeito a cidadãos estrangeiros que estavam legalmente em Portugal. O relatório especifica que houve 38 “conduções à fronteira” (foram 35 em 2014), 223 “expulsões administrativas” (tinham sido 263 no ano anterior) e 102 “expulsões judiciais”. Pela lei, as duas primeiras são aplicadas a cidadãos estrangeiros que estejam ilegalmente em Portugal.

Desta centena de expulsões judiciais, oitenta ficaram a dever-se ao crime de tráfico de droga, oito por homicídio, outros tantos por roubo, um por furto qualificado, outro por auxílio à imigração ilegal, um pelo crime de sequestro e violação, outro por tráfico de seres humanos, um por violação à ordem de expulsão e um último que não está especificado.

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