É cada vez mais difícil aos norte-coreanos comunicar com o exterior

Regime tem novas ferramentas para detectar e escutar chamadas para o exterior, essenciais para quem quer fugir ou receber dinheiro de fora. Quem desobedecer pode ser enviado para campos de trabalho forçado.

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Kim Jong-un fez mais do que os seus antecessores para isolar o país de informação externa Reuters

Os últimos cinco anos de poder de Kim Jong-un na Coreia do Norte fizeram com que se tornasse mais difícil e perigoso usar telemóveis para contactar pessoas no exterior, o que em muitos casos é crucial para os norte-coreanos fugirem do país ou receberem ajuda de familiares ou amigos exilados. De acordo com um relatório publicado esta quarta-feira pela Amnistia Internacional, o regime adquiriu recentemente mecanismos avançados de detecção, interferência e escuta de chamadas que lhe permite travar e punir a troca de informação com o estrangeiro.

Há décadas que o regime tenta isolar os norte-coreanos de fontes externas de informação que possam afectar a máquina de propaganda do Estado: todos os meios de comunicação internos são altamente vigiados, rádio e canais de televisão estrangeiros são proibidos ou acessíveis apenas a estrangeiros e altas figuras do Exército e Governo. Isto já acontecia com os dois primeiros líderes norte-coreanos, mas nenhum fez mais do que Kim Jong-un para isolar o país de qualquer comunicação com o exterior.

O próprio anunciou-o como uma grande prioridade em 2014, três anos depois de chegar ao poder. “Devemos tomar medidas para reduzir a cinzas a infiltração da ideologia e cultura imperialistas e erguer redes duplas e triplas para travar o vírus da ideologia capitalista”, disse, no congresso anual do partido. Fê-lo aumentando consideravelmente os controlos de fronteira, o que travou parte do contrabando de informação vindo da China e Coreia do Sul, como antenas para receber canais estrangeiros ou leitores de dvd, por exemplo. Mas as medidas mais restritivas afectaram a comunicação com telemóveis estrangeiros.

Esta continua a ser praticamente a única maneira de contactar com o exterior, uma vez que a rede telefónica nacional só permite fazer chamadas internas e a Internet apenas funciona com sites do próprio país. “Os traficantes trazem cartões SIM, que vendem por 100 yuan [ou 16 dólares], dependendo do seu crédito”, conta Bak-moon, um dos 17 norte-coreanos recém-exilados contactados pela Amnistia Internacional — todos usaram telemóveis estrangeiros antes de fugirem. “Era muito dinheiro: cerca de dez salários oficiais, o suficiente para alimentar uma pessoa por um mês.”

Contactar com o exterior por telemóvel, explica a Amnistia, é a única maneira que muitos norte-coreanos têm para falar com familiares ou amigos exilados ou planearem a sua própria fuga. Só o podem fazer com cartões estrangeiros, que, para além de caros e inacessíveis, só funcionam perto da fronteira. “Às vezes caminhávamos a noite inteira para atravessarmos uma montanha”, conta Ji-woo, que repetiu a viagem até à fronteira sempre que tentava contactar o pai exilado. “Não havia caminho à volta e tínhamos de viajar de noite. Não podíamos usar uma lanterna. Estava escuro como breu.”

O regime tem agora mecanismos para detectar chamadas e possivelmente registar conversas, como foi anunciado em 2014 pelas Nações Unidas — se fazer telefonemas para o estrangeiro não é ilegal na Coreia do Norte, estar na posse de dispositivos de contrabando e falar mal do regime pode acatar penas severas. “Num caso grave, seremos enviados para o campo de prisão política, onde podemos esperar uma pena longa”, explica à Amnistia So-kyung, um outro dissidente norte-coreano. “Em casos mais ligeiros vamos para um reformatório e a pena pode ser de um ou dois anos. A maioria das pessoas escapou com um suborno, apesar de tudo.”

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