"Os Jogos Olímpicos vão fazer bem ao Brasil"

George Hilton, ministro brasileiro do Desporto, diz que o país está pronto para receber o maior evento desportivo do mundo e acusa os promotores do processo de impeachment a Dilma Roussef de praticarem "um golpe contra a democracia".

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"Não há clima na sociedade brasileira para apoiar o golpe contra a presidente" Miguel Manso

Há um ano, George Hilton foi uma nomeação surpresa para a pasta do Desporto, área em que tinha pouca ou nenhuma experiência, mas que, com a realização dos Jogos Olímpicos no Verão do próximo ano, seria sempre de enorme visibilidade. Em entrevista ao PÚBLICO, durante uma passagem por Portugal para participar numa conferência em Coimbra, Hilton garante que está tudo a correr bem, desde a segurança à poluição, para que os Jogos do Rio de Janeiro sejam um sucesso, apesar da crise política e económica que o país atravessa.

A cerca de oito meses dos Jogos, como estão a correr as coisas?
Já tivemos várias entregas. Estamos dentro do cronograma que foi determinado pelo Comité Olímpico Internacional (COI) e, mais do que isso, estamos a levar equipamentos para todo o país, não só para o Rio de Janeiro. Os Jogos não são só do Rio, são de todo o país. Temos centros de treino para atletas olímpicos e paralímpicos e centros de iniciação desportiva, mais de 250 espalhados por todo o país. A nossa ideia é nacionalizar os Jogos.

Neste momento, há alguma preocupação especial?
Não existe. Depois dos atentados em Paris, houve uma certa preocupação por parte dos membros do comité. Existe um plano, em coordenação com vários ministérios. Serão mais de 85 mil homens mobilizados que vão garantir a segurança.

Mas houve algum aumento da segurança depois dos atentados de Paris?
Esse plano será implementado de forma gradual à medida que nos vamos aproximando dos Jogos. Nos eventos-teste, fomos fazendo o teste também à segurança e correu muito bem.

Criticou-se muito o legado do Mundial de 2014, principalmente por causa dos estádios que são pouco usados. Que legado vão deixar estes Jogos?
A rede nacional de treino vai dialogar com todas as federações. Na Bahia, por exemplo, construímos o centro americano de judo. Esse centro está a ser utilizado por todas as federações de judo do Brasil. Esses espaços fazem parte, não só da rede de treino, mas servem também para eventos. Nas modalidades, os calendários são mais preenchidos.

Em grandes eventos desportivos, há sempre o risco de deixarem elefantes brancos, como aconteceu nos Jogos de Atenas em 2004…
No Brasil temos uma actividade desportiva intensa. No Brasil temos campeonatos regionais, nacionais, sul-americanos, pan-americanos e actividade muito intensa do desporto universitário e do desporto escolar.

Está satisfeito com os elogios de Thomas Bach, presidente do COI, quanto ao cumprimento de prazos e orçamentos?
Assumi o ministério há um ano. Não vinha do meio e houve uma grande inquietação do mundo desportivo. Apesar das dificuldades por que o Brasil (e o mundo) passa, garantimos que os recursos que estavam providos para as obras não fossem comprometidos. E temos um plano de bolsas que é um dos maiores do mundo – mais de 7.000 atletas. E tivemos o cuidado que o financiamento do sector privado tivesse um protagonismo muito grande. Estes são os Jogos em que menos se utilizou recursos públicos. Isso é um case study para Tóquio e outros países.

Mas tiveram de reduzir custos em algumas coisas…
Tivemos de fazer várias contenções de despesas. Como já tínhamos um cronograma, tivemos de estabilizar outros processos e programas do Ministério do Desporto, para que não comprometessem outras áreas. Os Jogos não vão sofrer nenhum atraso. O que nós vamos fazer é retomar esses programas depois dos Jogos. E não haverá nenhum atraso na entrega dos equipamentos olímpicos.

Como está a decorrer a venda dos bilhetes?
Muito bem. A nossa expectativa é que vamos vender sete milhões. Já ultrapassámos os cinco milhões e isso demonstra que o povo brasileiro recebe muito bem. As vendas para os outros países também está a correr muito bem. A cada dia ficamos surpreendidos com os números da venda dos bilhetes, e para todas as modalidades.

Em termos de vias de comunicação e meios de transporte, o Rio vai estar pronto para absorver este aumento temporário de pessoas a circular pela cidade?
O Rio de Janeiro recebe obras de infraestrutura e mobilidade que serão muito importantes e que ficarão como legado. A revitalização do Porto Maravilha vai ser muito importante. Na linha quatro do metro, que liga a Barra da Tijuca com Copacabana, foram criados três grandes corredores. Houve uma preocupação do governo federal de fazer as transferências para o governo estadual e o governo municipal. Uma coisa que me surpreendeu foi o modelo de parcerias público-privadas, fundamental para fazer essas obras.

Que comentário faz às preocupações existentes com a poluição nas águas onde vão decorrer as provas aquáticas?
O governador tem dito reiteradamente que, quando o Rio ganhou o direito de receber os Jogos, a cidade tinha menos de 19% de águas tratadas. O nível hoje passa dos 50%. Isso não comprometeu a realização dos eventos-teste. É claro que o Rio tem uma dívida com os cariocas para que a baía de Guanabara passe por um processo de despoluição. Isso é uma coisa. Outra coisa são as condições das águas para as provas que teremos. Temos a garantia de que as águas estão perfeitas para os atletas.

Mas alguns atletas apresentaram queixas e alguns testes independentes mostraram níveis preocupantes de poluição…
Aparentemente era isso, mas, depois, a federação americana e outras emitiram um comunicado a dizer que o mal-estar dos atletas foi por outras causas. Um atleta alemão da vela tinha reclamado muito, mas depois ficou a saber-se que tinha sido a bermuda que provocou a irritação nas pernas. Há também uma acção de colocação de eco-barcos e eco-barreiras, redes que têm permitido o controlo desses níveis de poluição nos locais das provas.

Houve muita contestação popular nas ruas durante a Taça das Confederações e o Mundial. Teme que possa acontecer o mesmo nos Jogos?
Havia desconfiança nesses casos porque o Brasil nunca tinha sediado esses grandes eventos. O nível de organização foi tão satisfatório... Foi um sucesso de organização e essa sombra já não existe.

O povo está com os Jogos?
Muito a favor, em especial a cidade do Rio de Janeiro. Os hotéis já estão lotados e estamos a tratar para que as pessoas possam ceder temporariamente as suas habitações. Também é uma grande oportunidade de negócio para o Brasil, não apenas o legado material. Os Jogos vão fazer bem ao Brasil.

Este processo de impeachment contra a presidente Dilma Roussef pode afectar, de alguma forma, a preparação e realização dos Jogos?
Esse é um processo que nos causa espécie, a forma como tem sido conduzido. Desde a reeleição que se instalou no país uma espécie de terceira volta. As forças que perderam não aceitam que ela tenha sido reeleita. Há um movimento de algumas instituições partidárias para promover aquilo que chamamos de golpe contra a democracia. Estamos confiantes que o Brasil é mais forte que isto, que as instituições democráticas estão preparadas para reagir a qualquer possibilidade de golpe. Os Jogos têm a função de unir, de agregar. Tem de ser um momento de trégua e tem de inspirar. O país precisa de crescer.

Não sabendo como o processo de impedimento vai decorrer, há sempre o risco de haver Jogos sem Dilma…
Estamos confiantes. Não há fundamentação jurídica, não há clima na sociedade brasileira para apoiar o golpe contra a presidente. Apesar das dificuldades, nunca se avançou tanto em programas de inclusão social, investiu-se muito em inovação tecnológica. Temos um programa que permite a crianças pobres o acesso a cursos técnicos. Isso será superado.

Para além da crise política, o Brasil também atravessa uma crise económica, das mais graves de sempre…
A razão pela qual achamos que este movimento para o impedimento é irresponsável é porque acontece no momento em que o congresso discute estas medidas de ajuste fiscal, de contenção de gastos públicos. O Brasil tem de estar focado na aprovação deste ajuste, que é o que vai permitir reequilibrar as contas públicas.

Se fosse agora, o Brasil teria condições para se candidatar à organização dos Jogos?
Ganhou disputando contra Tóquio e Chicago. Não ganhou por sorteio. O país apresentou uma prestação de contas e de avanços na componente social. O Brasil ganhou porque avançou muito no IDH [Índice de Desenvolvimento Humano], avançou muito na educação, no combate à pobreza. Tivemos mais de 35 milhões que saíram da linha da pobreza. Há uma agenda positiva no país, que podia estar melhor se estivéssemos num melhor momento da economia. Se o Brasil fizer o trabalho de casa, vai vencer este momento difícil. A nossa capacidade de produzir está a nosso favor, mas, para isso, precisamos de estabilidade politica.

A questão da criminalidade também é um problema premente no Rio. A cidade está preparada para lidar com este problema durante os Jogos?
Há 20 anos, os índices de criminalidade eram apavorantes. Foram adoptadas medidas que, ao longo dos anos, foram pacificando comunidades muito violentas. Claro que há um plano ao longo dos anos com o objectivo de pacificar mais comunidades.

O país vai ganhar ou perder em termos económicos com os Jogos?
Vai ganhar. O Brasil tende a dar um salto muito grande no incremento da economia através do turismo e dos países que lá vão estar.

Em termos desportivos, quais são as vossas expectativas?
No Rio, queremos chegar aos dez primeiros nos Jogos Olímpicos e aos cinco primeiros nos Paralímpicos.

E será desta que o Brasil ganha a medalha de ouro no futebol?
Tenho a certeza que vamos ganhar e espero que seja contra Portugal. É o grande momento do futebol brasileiro ganhar a sua primeira medalha de ouro. Com o Neymar e com a Marta.

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