As histórias dos heróis anónimos de Paris

Redes sociais estão a ser usadas para proporcionar encontros. Mulher grávida pendurada na janela do Bataclan encontrou o homem que a salvou.

i-video
Jornalista do Le Monde filmou fuga dos espectadores do Le Bataclan Le Monde

É uma das pessoas que vemos em pânico nas imagens aflitivas capturadas pelo jornalista do Le Monde Daniel Psenny. É a mulher que aparece pendurada na janela do segundo andar do Bataclan. No vídeo não é perceptível mas enquanto lutava pela sua vida esta mulher gritava que estava grávida, à espera que no meio do caos alguém a ajudasse. E ajudou. Houve um homem que a puxou para dentro. Os dois sobreviveram mas desencontraram-se. Não sabíamos nada disto até esta história chegar às redes sociais e isto porque a própria quis conhecer o homem que a salvou.

Um simples tweet que em poucas horas teve mais de mil partilhas. A mulher que se aguenta pendurada no parapeito da janela durante os quase três minutos do vídeo de Daniel Psenny queria encontrar o homem que a salvou para lhe poder agradecer o facto de ter sobrevivido. Fê-lo através do Twitter de um amigo neste domingo e na manhã desta segunda-feira o homem tinha sido encontrado. Os dois querem manter um anonimato. Ela porque está grávida e precisa agora de repousar, ele porque não quer o protagonismo de uma tragédia que não traz boas memórias.

“Muito rapidamente ela quis agradecer a todas as pessoas que tiveram um gesto para com ela, especialmente o homem que parou três segundos enquanto fugia para lhe dar a mão, ajudando-a a subir”, contou à versão francesa do Huffington Post Frans Torreele, o amigo que lançou o apelo no Twitter. “Ela não o poderia fazer, não se pode expor desta forma porque precisa de repousar”, explicou ainda, contando não foram precisas muitas horas para que o herói daquela mulher aparecesse. “Graças ao anúncio no Twitter, o irmão do homem que a ajudou contactou-me por email.”

Frans Torreele confirmou as informações que lhe davam com a sua amiga para ter a certeza de que era verdade. E era. “Trocaram números. Ele também está bem e era isso quer queríamos igualmente saber”, acrescentou ainda à publicação francesa.

Até esta história ser revelada, não se sabia se aquela mulher que viramos pendurada tinha sobrevivido. Era uma das muitas perguntas por responder. O vídeo de Daniel Psenny tornou-se viral. O jornalista mora nas traseiras do Le Bataclan e ao dar-se conta da confusão filmou pessoas a fugir da sala de espectáculos, enquanto se ouviam vários disparos. As imagens – que contêm momentos que podem ferir a susceptibilidade de alguns leitores – mostram pessoas a correr, outras feridas e ainda algumas penduradas das janelas.

No vídeo ouvimos Psenny perguntar às pessoas o que se passa mas o pânico é tal que poucas percebem que o homem fala para elas. O jornalista acabou por ser alvejado no braço quando desceu para tentar ajudar os feridos.

O Huffington Post não conseguiu chegar à fala com o homem que salvou a mulher da janela mas ao jornal La Provence, este contou, sob anonimato, que a sua reacção foi fugir para as escadas da sala, subindo para o segundo andar. Os terroristas estariam no primeiro andar. “À minha frente tinha duas janelas. Numa delas estava uma mulher grávida que suplicava às pessoas em baixo que a apanhassem se ela saltasse. Em baixo estava o caos também. Passei então pela outra janela e agarrei-me ao respiradouro, a 15 metros do solo”, disse ao diário de Marselha, recordando como a mulher não podia mais. “Estava muito cansada. Não sei para onde foi depois”, acrescentou ainda, contando como logo de seguida os terroristas o encontraram. Foi uma das pessoas feitas reféns dentro da sala mas que no meio do caos conseguiu fugir. “Pensei que ia morrer.”

O poder das redes sociais
À medida que o tempo vai passando mais histórias destas vão aparecendo. Já não se partilham apenas as fotografias daqueles que morreram mas também daqueles que sobreviveram e ajudaram outros a escapar ao ataque.

Un homme a sauvé la vie de ma femme hier au Bataclan en la cachant sous des fauteuils et en la protégeant de son corps....

Publicado por Picolo Clem em Sábado, 14 de Novembro de 2015

No Facebook, por exemplo, Picolo Clem escreveu procurar o homem que salvou a vida da sua mulher ao escondê-la debaixo das cadeiras no Bataclan. Horas mais tarde, anunciava tê-lo encontrado. “Resta-nos agora ir beber uns copos juntos.” Hervé Goerger fez o mesmo, recorreu ao Facebook para encontrar o Michaël que havia ficado ao lado da sua amiga Mathilde, baleada no bar La Belle Equipe, até que a ambulância chegasse. Horas mais tarde, Michaël encontrado.

E ao contrário também acontece. Isabelle, por exemplo, estava em sua casa com amigos da rua Voltaire, perto do Bataclan, quando ouviu os tiros disparados. Veio à janela ver o que se passava e viu um homem na rua a sangrar, a cambalear. Desceu do seu andar e levou o homem, Ludovic, para casa. “Fui depressa procurar compressas, ele sangrava muito”, disse ao Journal du Dimanche, contando que Ludovic tinha sido baleado no abdómen. Depois de socorrer o homem, Isabelle veio para a rua gritar por socorro. Minutos depois, este era levado para o hospital, onde ainda deverá estar internado.

#OccupyTerrasse #tousdehors #Paris

A photo posted by @quentin__laurent on

#OccupyTerrasse, #FuckDaesh
As redes sociais têm sido uma das grandes respostas dos franceses aos ataques de sexta-feira que já fizeram 129 mortos. Logo na noite dos atentados, no Twitter apareceu a hashtag PorteOuverte, com a qual os habitantes de Paris ofereciam a sua casa a quem precisasse, fosse porque a sua zona de residência estivesse bloqueada pela polícia ou porque não conseguisse transporte para regressar a casa.

Já no sábado, nas redes sociais ganhava força a etiqueta #RechercheParis numa tentativa de se encontrar as muitas pessoas desaparecidas nos atentados.

Agora, enquanto Paris tenta voltar à sua normalidade, os franceses respondem nas redes sociais com duas hashtags: #OccupyTerrasse e #FuckDaesh. O objectivo é mostrar que o medo que o Estado Islâmico lhes quer impor não vai vencer. Um gesto de coragem, uma amostra de como é preciso continuar a viver.

Pelas redes sociais, partilham-se assim fotografias nas esplanadas, ao mesmo tempo que se despreza o Estado Islâmico – Daesh é o nome árabe para Estado Islâmico.

Sugerir correcção
Comentar