“Vamos tentar algo diferente. Nem que seja um caminho solitário”

Há quem sinta que os seus planos foram destruídos, há quem ache que há “alguma beleza em não saber o que pode acontecer”. 67% dos gregos mais jovens que votaram escolheram “não".

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“Quero um futuro na Europa. Gosto muito da ideia romântica da Europa. Mas isto é uma ideia, não é a realidade” Cathal McNaughton/Reuters

Maria Vatista tem 23 anos e sente a vida em suspenso. Até este mês, o plano era ir trabalhar um ano para ganhar dinheiro para um mestrado no estrangeiro. “Agora, vamos ver.” Sophia Kaisari, 32 anos, é enfermeira e não sabe se vai ter emprego quando o seu contrato acabar daqui a quatro meses. “Espero ter algo para sobreviver.” Já Electra, também de 32 anos mas que prefere aparecer sem apelido, está finalmente “calma” depois de uma semana de ansiedade: o mais importante para ela era recusar a austeridade.

O desconhecido assusta mais ou menos os mais jovens que votaram no “não” – o voto mostrou uma grande divisão etária, com uma grande percentagem dos eleitores entre 18 e 34 anos (67%) a escolher o “não” no referendo. O que uns vêem como um prelúdio de um período sombrio, outros vêem como a possibilidade de esperança.

Os jovens têm sentido especialmente a crise. O desemprego entre os menores de 35 anos já ultrapassou os 50%, a maioria dos mais de 200 mil gregos que emigraram desde o início da crise são jovens, e muitos sentem que estão a pagar os 40 anos de políticos corruptos que distribuíram empregos a pessoas que os mantêm, mesmo que sejam menos competentes. São sobretudo eles quem trabalha empregos de 10h por dia para ganhar o salário de mínimo de 480 euros, são precisamente eles que não podem planear ter filhos.

Maria é a jovem europeia por excelência. Regressou há um ano do programa Erasmus, tem uma série de amigos espanhóis, italianos, portugueses e turcos, sempre quis ir fazer o mestrado para o estrangeiro e quem sabe trabalhar fora. Não por necessidade, ela já pensava assim antes da crise.

Tinha tudo planeado: depois de terminar a cadeira que lhe falta para terminar o curso de Arqueologia, agora ou em Setembro, iria continuar algumas coisas que já faz (babysitting, dar aulas de literatura grega e fazer programas culturais para uma fundação), iria poupar dinheiro para o mestrado, talvez em Maastricht. “Mas o país está em suspenso. Até a fundação agora não está a conseguir pagar por causa das restrições”, nota.

 “Quero um futuro na Europa. Gosto muito da ideia romântica da Europa. Mas isto é uma ideia, não é a realidade”, diz Maria com o sorriso que nunca deixa de ter, mesmo quando se nota algum desânimo. Ela não está nada optimista. “Votei ‘não’ porque não conseguia votar ‘sim’, acho que a sociedade grega não ia aguentar dizer ‘sim’ a estas medidas. Mas acho que não há nada para celebrar”.

Conta como a mãe perdeu o trabalho por causa de um grupo de funcionários públicos que não fizeram a requisição certa dos fundos europeus. “Por causa da decisão de um grupo de pessoas que nunca serão penalizadas”, nota, comentando que são “coisas que acontecem” por aqui. Coisas que tem medo que aconteçam mais caso se perca a ligação à União Europeia.

Só uma coisa melhorou entretanto: depois de uma semana de ânimos exaltados, agora tudo acalmou. “Podemos passar fome, mas vamos passar fome juntos”, diz, meio a rir.

Electra, socióloga de 32 anos, diz que depois da noite de domingo ficou “finalmente calma”. A televisão mostra o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, no Parlamento Europeu, mas ela não está nervosa. O que vier aí não a assusta. “O que me assustaria era continuar assim.  Há algo de bonito em não saber. E então? Vamos não saber!”, entusiasma-se. “Talvez sair até fosse um alívio. Deixarmos de viver assim, com reuniões todos os meses, e prazos.”

Já Sophia Kaisari, que mete conversa num café ao perceber que na mesa ao lado está uma jornalista estrangeira, diz que a situação da Grécia lhe faz lembrar tempos medievais. “Parece que há um rei que quer tudo de nós e espreme até à última gota o que conseguimos tirar da terra.”

Sente-se a pagar injustamente. Da casa em que vive com a mãe, conta, pagaram o imposto três vezes. “A primeira vez foi pago pelo meu avô, a segunda quando passou do avô para a mãe, e a terceira foi o imposto que criaram em 2012”, uma medida decidida por um Estado que tem dificuldade em cobrar impostos para arrecadar receita fiscal com facilidade.

E ainda acontece o Estado tentar enganá-la. “Tenho de ir com uma fotocópia do Diário da República para pedir o subsídio de incapacidade da minha mãe, porque se não tentam dar-me um valor mais baixo do que está na tabela.”

A Grécia está num momento crucial antes do próximo momento decisivo para ela, quando acabar o seu contrato. “Espero nessa altura encontrar um país que tenha o suficiente para me apoiar,” diz, mas descrente. “Será que vou encontrar outro trabalho? Será que vou ter o suficiente para viver?”

Sophia acha que se aproxima a hora em que a Europa vai deixar a Grécia cair. Ela vai falando e vão-se notando os seus sentimentos contraditórios.  “É uma pena, porque somos pessoas, não somos números.” E ainda: “se isso acontecer, vai ser mau para nós. Mas não vai ser mau só para nós. Vai ser mau para a Espanha, para Portugal, para Itália. E depois a quem é que a Alemanha vai vender? Também vai ser mau para eles. E eu passei a vida toda nisto, emprego-desemprego, já estou habituada. Mas eles não.”

Por outro lado, pode ser pelo melhor. “Estes cinco anos já vimos no que deu. Eu trabalho num hospital. Não temos nada para os doentes, ontem nem tínhamos guardanapos. Vamos tentar algo diferente. Nem que seja um caminho solitário”.  

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