Mubarak vai voltar a tribunal pelos 800 mortos da Tahrir

Aos 87 anos, o ex-ditador dificilmente cumprirá alguma sentença longa, mas ainda pode ser condenado pela violência que ordenou em resposta aos protestos pró-democráticos de 2011.

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Mubarak tem 87 anos e está no hospital militar de Maadi MOSTAFA EL-SHEMY/AFP

Duas semanas depois de ter condenado à morte o primeiro Presidente eleito em democracia no Egipto, Mohamed Morsi, a Justiça do país ordenou esta quinta-feira que o antigo ditador Hosni Mubarak volte a ser julgado pela morte de manifestantes durante os protestos pró-democráticos de 2011. Mubarak tinha sido absolvido em Novembro, após ter sido inicialmente condenado a prisão perpétua pela morte de 800 pessoas.

Após 30 anos de poder incontestado e despótico, Mubarak foi abandonado pelo Exército, de onde saíram todos os líderes egípcios até às revoltas árabes, em Fevereiro de 2011. Na Tunísia, Ben Ali já tinha sido deposto e fugido para um exílio dourado na Arábia Saudita. Há semanas que a Praça Tahrir do Cairo resistia a tudo, incluindo ataques de mercenários contratados, a cavalo e empunhando espadas, mas Mubarak recusava ver o inevitável.

Para tentar salvar o regime, os generais decidiram que ele já não era Presidente e o "faraó" deixou o Cairo. Não fugiu do país. Foi para Sharm el-Sheikh, uma estância turística, e os militares assumiram os comandos do país. Muito aconteceu entretanto. Para que Mubarak começasse a ser julgado, por exemplo, foi preciso que os egípcios voltassem a encher a Tahrir. O mesmo para que os generais marcassem eleições.

Depois, a vitória de Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, desagradou a muitos, e os militares acabaram por aproveitar uma vaga de protestos contra o Governo e o Presidente eleito para o derrubarem e prenderem, em 2013. Em Maio, Morsi foi condenado à morte por acusações de fuga da prisão e morte de manifestantes durante a mesma revolta de 2011.

Os Estados Unidos disseram-se “profundamente preocupados” e várias organizações de direitos humanos manifestaram-se perplexas com a condenação de Morsi, que já tinha sido sentenciado a 20 anos de prisão pela morte de manifestantes, estes num protesto contra o seu Governo.

Mubarak era enquanto isso inocentado e tinha apenas sido condenado a três anos de prisão num processo de corrupção.

Mubarak tem 87 anos e já não está em Sharm el-Sheikh. Dali foi transferido para uma prisão no Cairo e, desde que começou a ter de ir a tribunal e a sua saúde se agravou, passa os dias no hospital militar de Maadi, no Cairo.

O novo líder do país, Abdel Fattah al-Sissi, que deixou o comando do Exército depois de orquestrar o golpe de Estado contra Morsi e a perseguição à Irmandade Muçulmana, entretanto ilegalizada e considerada “organização terrorista”, continua a cimentar o seu controlo sobre o país. Após encurralar os islamistas, passou a perseguir os liberais, impedindo manifestações e mandando prender os jovens líderes revolucionários que incentivaram milhões de egípcios a ganhar coragem para enfrentar a ditadura.

Mubarak nunca vai voltar ao poder e, com a sua idade, é difícil que chegue a cumprir uma parte significativa de qualquer pena. Mas pelo menos voltará a ser julgado – é a terceira vez que decorre o processo em que a acusação o responsabiliza pelas 800 mortes que aconteceram entre 25 de Janeiro de 2011, data da primeira grande manifestação, e 11 de Fevereiro, quando os militares o forçaram a abandonar a chefia do Estado.

O juiz do tribunal de recurso decidiu agora voltar a julgá-lo, num processo que começará  a 5 de Novembro. A absolvição foi fruto de questões processuais e problemas técnicos que terão marcado o primeiro julgamento, em Junho de 2012, quando Mubarak foi condenado por conspiração para matar os manifestantes. A decisão de deixar de lado as acusações provocou protestos nas imediações da Tahrir e os confrontos com a polícia.

Mubarak já cumpriu os três anos de sentença por corrupção, mas, para além do processo dos mortos da Tahrir, ainda pode voltar a tribunal por variadas acusações de subornos, desvio de fundos públicos e enriquecimento ilícito. 

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