O jovem líder que veio da Catalunha e diz querer salvar Espanha

Depois do Podemos, é o Ciudadanos a ocupar o lugar de partido emergente espanhol do momento. Na comunidade de Madrid, o PP vai precisar dos seus eleitos para governar. Os candidatos são “gente normal”, Albert Rivera é a estrela.

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Albert Rivera: “Quem está contente que vote nos de sempre" Eloy Alonso/Reuters

O histórico Teatro Compac da Gran Vía de Madrid está quase lotado, mas a organização é tão impecável que enquanto um voluntário pede a um grupo que suba às galerias, informando que não sobram lugares na plateia, outro, apercebendo-se que há uma pessoa a tentar entrar sozinha, oferece-se para a conduzir a uma cadeira a meio da quarta fila, a única disponível entre 700 lugares – com excepção, claro, dos que esperam pelos candidatos. A hora marcada para o arranque do comício já passou, mas os próximos minutos também fazem parte do espectáculo.

O palco está montado, as letras que escrevem El Cambio (a mudança) elevam-se do chão, no ecrã atrás lê-se #MadridNaranja (cor de laranja), a cor que permanecia livre no panorama partidário espanhol e foi adoptada pelo Ciudadanos, a formação que nasceu na Catalunha e agora tenta conquistar a Espanha – para já, concorre às 13 regiões que vão a votos no domingo e apresenta listas em centenas de municípios e localidades.

Há um burburinho na sala, muita gente, quase toda, de smartphones na mão. Há uma música de fundo repetitiva e permanente. “A mim puseram-se esta música numa chamada para uma empresa, que tortura”, brinca uma mulher na audiência, sem deixar de ir deitando o olho à porta, a tentar perceber quando entrarão os candidatos e o presidente.

A música soa cada vez mais alto e já não restam dúvidas. Eles vêm aí, e já ninguém está sentado, todos querem vê-los, tocar-lhes, fotografá-los. Eles são o presidente do partido, Albert Rivera, a candidata à câmara da capital, Begoña Villacís, e Ignacio Aguado, porta-voz do Ciudadanos na Comunidade de Madrid e candidato à presidência da região. “Bem-vindos ao acto central da campanha do Ciudadanos em Madrid”, ouve-se e a assistência irrompe em aplausos. A abrir, um vídeo de campanha, a estrela é Albert e a narrativa é a do herói que não hesitou perante o desafio, salvar o país. “Impossível é só uma opinião”, ouve-se, e vai voltar a ouvir-se.

Pessoas normais
A primeira a subir ao palco é Begoña, por entre gritos de “alcadesa” e um aplauso de pé. A campanha já vai a mais de meio, mas esta jurista de 37 anos que tem passado os dias na rua a “conhecer pessoas” começa por admitir que este é o seu primeiro comício. “É bom que seja aqui. Nesta sala onde vim tantas vezes ao cinema com os meus pais e quando tenho diante de mim a próxima geração, as minhas filhas. Aqui estou confortável”, diz.

A sua Madrid, esta, a do centro, onde cresceu, já não lhe agrada, explica, farta de ouvir dizer: “Aquele que lemos esta manhã nos jornais será o último caso de corrupção.” “Deixei de me sentir representada. E agora temos a oportunidade de que a nossa cidade deixe de estar nas mãos de pessoas com apelidos que todos já conhecem, governada de forma absolutista, com um modo de actuar que não respeita as pessoas, que não dialoga nem percebe que tem de explicar as decisões aos partidos da oposição e aos cidadãos”

A candidata que é “uma pessoa normal”, sabe que os metros que antes passavam “a cada dois ou três minutos” agora passam “ a cada sete ou oito”, que as empresas e as pessoas estão esmagadas por uma “insuportável criatividade fiscal”, que “Madrid deve ser mais limpa, mais sustentável”. O seu programa, explica, “custou muito a fechar”, depois de meses de reuniões com associações de bairro, gente de todas as áreas. Mas está satisfeita. “Temos propostas completamente realistas e eficazes”, diz.

“Aquilo que primeiro que faremos, custe a quem custar, será uma auditoria”, anuncia Begoña, por entre gritos de “muito bem”. Depois, descreve a câmara como “uma bolha inchada, sumptuosa, onde há centenas de pessoas que ganham 200 mil euros, assessores, coordenadores gerais, gente que não tem outras qualidades para além de serem familiares ou amigos” dos líderes do PP que têm governado a cidade.

“Sorris pouco”
O Ciudadanos quer transparência, quer limpar a política da corrupção e dos velhos hábitos, como o Podemos, mas de outra maneira, “de uma forma tranquila”, sem “rupturas nem revoluções”, dirá Rivera. Antes ainda vai subir ao palco Ignacio, outro advogado, que abandonou o sector energético para abraçar a política. É o mais jovem dos líderes do partido neste comício, tem 32 anos.

“Ontem, um taxista perguntou-me: ‘És aquele, do partido…?’ ‘Sim, sim, sou”, começa, por entre risos e palmas. “'Olha, não me pareces mal, mas sorris muito pouco’”, disse-lhe o taxista. “Pois, são 20 anos de corrupção contínua em Espanha, enfim, sou feliz, mas nem sempre me dá para sorrir.” Ignacio partilha com Rivera o à-vontade total, a capacidade de arrancar gargalhadas a uma plateia, o domínio para saltar da denúncia séria – “Sabiam que 35% dos espanhóis recebem 650 euros?” – à crítica humorística aos rivais.

Com o líder do partido na Andaluzia presente, Ignacio aproveita para apontar as diferenças entre o que os dois grandes partidos dizem e fazem. “Juan Marín sabe-o em primeira mão, veio da Andaluzia. ‘Sim, sim, vamos assinar.’ E afinal: ‘Não, não, não.’”

Dois meses depois das eleições para o região que a socialista Susana Días venceu sem maioria absoluta, a Andaluzia continua sem governo. O Ciudadanos exige ao PS que assine um pacto anticorrupção para se abster no parlamento regional e permitir a Días tomar posse. O candidato madrileno pode em breve encontrar-se numa situação semelhante – a maioria das sondagens antecipa que o PP mantenha o primeiro lugar na comunidade, mas precise dos votos do Ciudadanos para poder governar.

Em Madrid, em casa
Com a assistência já mais do que pronta para receber o político do momento, o mais popular entre os líderes partidários desde Fevereiro, quando a Espanha em peso o descobriu, Ignacio despede-se com um: “Não há nada impossível, impossível é só uma opinião." E Albert, por quem todos esperavam, sobe ao palco, maior aplauso não podia haver, ninguém está sentado.

Albert sabe o que fazer. Primeiro, lembra que “Begoña e Ignacio estão na situação” em que ele estava há oito anos, a dar os primeiros passos, mas o partido está noutro momento, “prestes a eleger dezenas de deputados e muitíssimos conselheiros” em parlamentos regionais e assembleias municipais”. Aqui se chegou “partindo pedra”, diz o presidente, primeiro na Catalunha, apostando “na unidade de todos, na esperança, na igualdade, nas liberdades”.

E um catalão que se chama Albert descrever Madrid como “a cidade mais cosmopolita de Espanha” só pode originar um aplauso sem fim. “Madrilenos, vocês fazem-nos sentir em casa. Obrigado por esse carinho, são um exemplo. Aqui ninguém pergunta a ninguém de onde é. Ao segundo dia, somos todos daqui.” E a casa fica o mais perto possível de ir abaixo.

Albert promete ser diferente de todos, do Podemos, que “diz que a culpa de todos os males do mundo é de Mariano Rajoy”, o primeiro-ministro; do PP, “que vê todos os males do mundo nos novos partidos”; do PSOE, “que se oferece como alternativa ao PP apenas por não ser o PP”.

“Quem está contente que vote nos de sempre, quem quiser uma mudança, estamos aqui”, afirma, antes de dizer que o seu partido não se apresenta nem para “jogos de cadeiras nem para ‘Jogos de Tronos’”, numa alusão à série Game of Thrones, que Pablo Iglesias, líder do Podemos, ofereceu ao rei Filipe num encontro em Bruxelas.

Depois, brinca com a exigência que fez ao PP para futuros pactos, que o partido passe a eleger os seus candidatos em eleições primárias, à qual o PP respondeu gritando “chantagem”. “Listas abertas, as pessoas a votarem nos candidatos que escolhem, algo tão inovador no mundo, que nem republicanos e democratas fazem nos Estados Unidos, nem os socialistas fazem na França”, diz, a rir. “De facto, como nos disseram: ‘Isso é coisa de filmes americanos.’ Minha mãe, que nível.”

“Nós não vivemos a Transição, mas os nossos pais e avós deixaram-nos a democracia, uma democracia livre e o Estado de bem-estar. É preciso tratar deles, blindar estes pilares”, defende Albert. “Chegou o momento dos corajosos, não interessa que nos digam: ‘Assim vão perder votos.’ Não estamos aqui pelos votos, estamos aqui por Espanha, pelo futuro.” Antes de terminar, ainda tem tempo para mais algumas piadas. “Não inventámos nada – por exemplo, ‘não roubar’ já estava inventado, de facto até é um dos mandamentos.”

Selfies e uma luz
No fim, todos em palco, e os homens parecem usar farda, jeans, camisa branca, blazer cinzento, sapatos de atacadores; a música regressa, a mesma, todos ao rubro. Sair do Teatro Compac é que vai ser muito mais difícil para Albert do que foi entrar. Como é que se percorre um corredor quando a cada metro há umas dez apoiantes determinadas em conseguir uma selfie com o presidente do partido que apoiam?

Laura, de 30 anos, é candidata a uma junta do município de Ávila e veio a Madrid para conseguir a selfie com o político que faz das redes sociais veículo de contacto permanente com os apoiantes (Twitter, Facebook, actualizados diariamente, Instagram, onde aposta precisamente em selfies, página de YouTube e até playlist no Spotify, onde todos podem saber que música ouve).

Na assistência estão jovens, alguns voluntários, mas também muita gente de meia-idade. Actuais simpatizantes ou já militantes que antes votavam PP, mas também PSOE.

“As propostas são um pouco gerais, mas gosto do tom de Albert, tem uma capacidade natural e confio nele”, diz Carlos, professor de 46 anos. Mirel, empresária de 50 anos, diz que “faz falta uma regeneração da vida política” e admira estes candidatos, que deixaram os seus empregos para se lançarem “nesta aventura sem garantias”. “O bipartidarismo está esgotado, envenenou a função pública ”, defende. De Albert gosta muito “por nunca se ter vendido, e na Catalunha era muito fácil, há sempre muitas oportunidades”.

Ana Soler, madrilena que ainda fala português – viveu nove anos em Portugal, quando a mãe se mudou por razões profissionais –, estava à espera de um caminho e um dia percebeu que esse era o partido de Albert. “Antes votava PSOE, sempre fui de centro-esquerda, mas havia algo de errado, a sociedade estava doente, assustada com a crise”, diz.

“Ouvi o Albert falar uma vez e fui logo à procura da sede em Madrid. Ainda não havia. Assim que abrimos, comecei a trabalhar no registo de militantes. E agora sou candidata, número cinco na lista à câmara. Nunca tinha estado num sindicato nem numa associação de estudantes e agora vou ser eleita. Estou muito contente”, conta  Ana. Descobrir o Ciudadanos foi “uma luz nova que se acendeu” na sua vida.

O rosto do partido
O discurso é mesmo diferente, mas a campanha do Ciudadanos parece-se bastante com a dos partidos grandes e tradicionais, PP e PSOE. Há um autocarro estacionado junto a cada iniciativa e cartazes gigantes espalhados por Madrid, principalmente nas estações de metro. E aqui há uma diferença evidente: os candidatos populares e socialistas à câmara da cidade e ao governo da região surgem sozinhos, mas, onde quer que haja um cartaz com os candidatos do Ciudadanos, é certo que a poucos metros, ao virar da esquina, estará um de Albert.

Como aconteceu com Pabo Iglesias do Podemos nas europeias do ano passado, Albert é mais conhecido do que o seu partido e o seu rosto é essencial. Aos 35 anos, consegue ser ainda mais jovem do que Iglesias, que tem 36, e, por não ser candidato, nem tem um único cartaz seu em lado nenhum.

Os dois políticos do momento, o advogado e o cientista político, que acumularam experiência em programas de debate e tertúlias, não podiam ser mais diferentes, mas disputam o voto da regeneração. Um, Iglesias, sabe que quer ser primeiro-ministro. Albert também, mas ainda não o diz. Deputado já é desde 2006, quando concorreu à presidência da generalitat (governo da Catalunha), pouco depois da criação do partido, numa campanha em que surgiu nu nos cartazes onde agora aparece sempre de camisa branca e blazer cinzento.

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