É ópera, é cinema, vale tudo

O filme perde-se tanto em jogos referenciais, em espelhos e reflexos, em primeiros e segundos “graus”, que não há Mozart que resista.

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Trailer Variações de Casanova

A certa altura, numa das várias “denúncias da representação” que este filme contém, um breve plano revela o diálogo entre dois espectadores: “mas afinal o que vem a ser isto?”, “é ópera, pouco importa”.

Este segundo Casanova do ano, depois do infinitamente melhor História da Minha Morte de Albert Serra, perde-se tanto em jogos referenciais, em espelhos e reflexos, em primeiros e segundos “graus”, que não há Mozart que resista - é mesmo com um encolher de ombros de “pouco importa” que o espectador do filme encontra os espectadores “no filme” (mesmo que diálogos como o que descrevemos, filmados num estilo “piscadela de olho” estranhamente revisteiro dado o contexto, sejam os pontos mais baixos destas Variações de Casanova). Michael Sturminger, austríaco já com alguns filmes dedicados ao universo operático, tenta reinventar, no décor lisboeta do teatro de São Carlos, um género em desuso, o “filme de ópera”, que sobretudo naquele eixo Itália-Alemanha deu noutros tempos frutos magníficos (mas também já vimos este ano, com James Gray, uma belíssima recuperação “made in USA” desse tipo de élan operático).

Só que a “reinvenção”, aqui, é também uma forma de “desmontagem”, permanentemente oscilando entre o mergulho na ficção (Casanova) e na ópera (Mozart) e o recuo para os bastidores, para o olhar em perspectiva, para a representação denunciada. Toda esta “sofisticação” é, no fundo, bem anacrónica, vem com pelo menos 60 anos de atraso sobre A Comédia e a Vida de Renoir, o que até podia conferir ao filme um certo charme se Sturminger possuisse algo parecido com o toque do realizador francês (aliás bem “mozartiano” na leveza e na gravidade); mas não tem, e tudo se revela mero exercício, desalmado, indigesto e, pior que tudo, fútil. Da voragem não escapa o próprio protagonista, John Malkovich, que tanto é o Casanova envelhecido como é o Malkovich-actor-que-interpreta-Casanova.

E é quando lhe vêm falar das Ligações Perigosas (o filme de Frears, nos anos 80, que mais fez pela sua revelação) que, com os nossos botões, suspiramos: “é cinema, pouco importa”.

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