O mundo de Sofia

"Algures" não traz nada de novo ao cinema de Sofia Coppola, mas os seus segredos não se revelam imediatamente

Ponto prévio: não se venha a "Algures" à espera de "Lost in Translation nº 2". As expectativas são inevitáveis - queremos sempre regressar ao lugar onde fomos felizes... - mas é tarefa vã: por natureza, um momento de graça é irrepetível.


O engenho de Sofia Coppola em "Algures" é precisamente esse: dramatizar a repetição. Mostrar o que acontece quando esses momentos de felicidade se tornam num parque de diversões permanente, e se perde a noção do tempo, da realidade. "Algures" é a história de alguém que chegou onde queria e percebeu que, afinal, não era aquilo que queria.

Sim, é (outra vez) um filme sobre o nada, sobre o vazio de uma existência perfeita. Sim, é Sofia outra vez a fazer um filme de menina rica sobre meninos ricos que não sabem o que querem da vida. Podia ser a versão actualizada da "História de Nova Iorque" que o pai Francis filmou há vinte anos, podia ser uma versão moderna da "Marie Antoinette", menina rica perdida fora de pé. O Johnny Marco que Stephen Dorff cria aqui é isso: um rapaz fora de pé, que preenche o vazio dos seus dias de vedeta hollywoodiana com noitadas, bebedeiras, sexo fácil, tabaco. Até que a filha lhe cai nos braços e Johnny começa a perceber que há uma vida para lá da sua bolha.

Não sabemos bem se "Algures" é "adenda" aos três filmes anteriores de Coppola ou o abrir de um novo ciclo. Sabemos, isso sim, que é filme ainda mais depurado que os anteriores, onde ainda menos se passa e ainda mais fica por dizer. A fotografia solar de mestre Harris Savides, o olhar observacional sobre a fauna de Los Angeles, o modo como se parece "morder" gentilmente a mão que dá de comer, fazem do filme membro de pleno direito da turma de "regresso aos anos 1970" que se tem manifestado no mais interessante cinema americano recente. E não há nada de mal nisso - "Algures" é filme que se inscreve sem problemas numa genealogia e numa carreira. Isso não faz dele o melhor filme de Sofia Coppola - talvez porque, de facto, haja uma sensação de "rodar em seco" (que a própria cineasta comenta no plano de abertura) - mas faz dele um objecto sedutoramente intrigante, uma espécie de écrã branco onde cada um poderá projectar o que bem entender.

Não se venha aqui à espera daquilo que "Algures" não pode ser. Mas, se se deixarem os preconceitos à porta, pode-se encontrar nele muito mais do que se poderia esperar.

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