Olhos de Lince

Imagine o leitor que sai um belo dia cansado do emprego, vai levantar dinheiro e a caixa multibanco lhe diz que tem 750 mil euros em conta que não estavam lá de manhã, e chega a casa e tem caixotes de armas, munições e químicos à sua espera sem fazer a mínima de como lá chegaram.

É isso que acontece a Shia LaBoeuf, rapaz de boas famílias que vive de biscates por se dar mal com o pai e que dá por si a ser perseguido pelo FBI como provável terrorista mas também por uma misteriosa voz desencarnada que é responsável pelo dinheiro e pelos caixotes e que parece ter o poder de controlar todos os sistemas informáticos do mundo.

É aqui que o tecno-thriller paranóico de D. J. Caruso, produzido por Alex Kurtzman e Roberto Orci (os cúmplices de J. J. Abrams em "Lost") e inspirado por uma ideia (não creditada) de Spielberg, revela as razões pelas quais merece mais atenção do que é habitual dar aos tecno-thrillers paranóicos de linha de montagem: na desfaçatez com que pega num assunto sério e faz dele um entretenimento de alta voltagem ao mesmo tempo que recicla meio século de fórmulas de Hollywood.

Caruso já tinha "citado" (para sermos simpáticos...) Hitchcock em "Paranóia", mas aqui cruza os falsos culpados do Mestre (apimentados com um toquezinho de "Intriga Internacional") com a desconfiança face ao Sistema dos thrillers liberais-paranóicos dos anos 1970 ("A Última Testemunha", "Os Três Dias do Condor"), referências aos computadores enlouquecidos da ficção-científica distópica dos anos 1970 e a adrenalina tecnológica neofuturista de "Desafio Total", "Relatório Minoritário" e "Inimigo Público".

É um milagre que "Olhos de Lince" não só não se afogue em tanta referência como cumpra o seu caderno de encargos de entretenimento acelerado (apesar de uma perseguição automóvel pelas ruas de Chicago que é francamente mal filmada). Não vale dizerem que é "implausível" nem que é "derivativo" - é precisamente aí que está a graça toda.

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