Romântico, este Coppola

As expectativas são uma coisa lixada. Coppola esteve-se a marimbar para elas e, a partir de uma novela de Mircea Eliade, fez o filme que bem entendeu, sem depender dos grandes estúdios nem ter de ir buscar um elenco do que passam hoje por ser super-estrelas. Coppola pode ser muita coisa, mas parvo não é: sabia que a fragilidade conceptual de "Uma Segunda Juventude" não resistiria às intervenções deliberadas de executivos mais interessados em marketing e resultados de bilheteira. Como, pelos vistos, também não está a resistir a uma cascata de críticas decepcionadas que olham para "Uma Segunda Juventude" como uma espécie de indulgência de um cineasta que já prestou provas, já não deve nada a ninguém e já se pode dar ao luxo de fazer indulgências com o dinheiro que ganhou a fazer vinhos.

Não estamos assim tão longe da recepção catastrófica a "Do Fundo do Coração" (1982), o musical megalómano que arrasou a sua carreira - hoje é aclamado como obra-prima visionária. Não estamos a pôr "Uma Segunda Juventude" ao mesmo nível - os tempos são outros, a ambição também. Mas, tal como então Coppola estava a pegar numa das fórmulas perdidas no/do tempo da Hollywood clássica (o musical) e a voltar a concebê-la para os anos 1980, também o seu novo filme faz um curto-circuito com a época de ouro do cinema americano. No caso, as fantasias sobrenaturais como "O Fantasma Apaixonado" (1947, Joseph L. Mankiewicz), "O Retrato de Jennie" (1948, William Dieterle), ou "Pandora" (1950) e "O Retrato de Dorian Gray" (1945, ambos Albert Lewin), transpostas para a história de um historiador romeno que, atingido por um relâmpago, rejuvenesce em vez de morrer, recebendo uma segunda oportunidade - a "segunda juventude" do título português.

À imagem de "Do Fundo do Coração", o novo Coppola é, então, um gesto impossivelmente romântico, duplicando o cinema clássico dos anos 1940 na sua escolha de enquadramentos e na sua linguagem visual, no modo como mascara o seu pequeno orçamento para o fazer parecer uma produção confortável, na própria construção da narrativa e na estrutura formal do filme. Mas isso não significa que o filme se compraza numa nostalgia cinéfila gratuita, nem se esgote no romantismo serôdio de uma história de amor através dos tempos. O que noutros cineastas pode ser ingenuidade ou inexperiência em Coppola é deliberação pura: liberdade, se quisermos (é por isso que falávamos de se estar a marimbar para as expectativas). Este é um filme livre, no sentido em que se recusa a encaixar em gavetas, classificações, definições.

(Não deixa de ser curioso que um cineasta que se tornou conhecido por ser um dos mais radicais e independentes dos criadores da "nova Hollywood" dos anos 1970 regresse ao cinema após dez anos de ausência com um filme modelado precisamente no cinema que a sua geração veio abalar. Mas essa é a prerrogativa da liberdade que a sua geração quis instalar quando surgiu, e foi no modo como essa liberdade permitiu recriar os géneros clássicos - o filme de gangsters em "Bonnie e Clyde", o "serial" de aventuras em "A Guerra das Estrelas" - e dar-lhes um novo sentido para uma nova geração de espectadores que a sua vitória, eventualmente pírrica, se baseou.)

Aqui, mais do que querer reconceber a fantasia romântica para os dias de hoje, Coppola quer apenas usá-la para "fazer o ponto". A lição da "segunda juventude" de Dominic Matei é a escolha entre a vida e a carreira, o amor e a solidão, e é impossível não olhar para "Uma Segunda Juventude" conhecendo toda a carreira de Coppola sem perceber porque é que a novela de Mircea Eliade ressoou de maneira tão pessoal. E o que o realizador fez dela é um filme genuinamente pessoal e sinceramente genuíno, que ainda por cima exala um extraordinário prazer de filmar, recupera a inocência de olhos arregalados de tempos mais honestos e menos cínicos do cinema. Lembrámo-nos a espaços do seu extraordinário "Drácula de Bram Stoker" (1992), com o qual partilha esse deslumbramento pela magia primordial do cinema enquanto fábrica de ilusões, passe de magia, truque de prestidigitação.

Não sabemos se "Uma Segunda Juventude" é um "canto do cisne", se é "uma vez sem exemplo", se é o lançamento de um novo ciclo criativo. O que sabemos, de certeza, é que é um belíssimo filme que se está a marimbar para o que se espera de Coppola e segue o seu caminho sem se importar com o resto. É assim que se devia sempre fazer cinema: em liberdade.

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