Sem a minha filha não!

O avião de carreira parece ter ganho lugar cativo como cenário da ficção do medo - poucas semanas depois de "Red Eye", de Wes Craven, chega-nos "Pânico a Bordo", onde o alemão Robert Schwentke dirige Jodie Foster num mistério hitchcockiano a bordo de um voo transcontinental.

É, contudo, interessante que, por oposição aos "filmes-catástrofe" dos anos 70 (e nomeadamente a série "Aeroporto"), tanto Craven como Schwentke se limitem a utilizar o avião como mero cenário - a "claustrofobia" de uma cabina de avião, com um grupo de pessoas obrigado a partilhar um espaço fechado limitado durante algumas horas, é feita à medida para o cinema de mistério e "suspense". E é precisamente isso que Schwentke procura ao encenar aqui um desaparecimento em pleno voo, quando uma engenheira que acaba de perder o marido num estranho acidente registado como suicídio, regressando de Berlim a Nova Iorque, se deixa dormir e, quando acorda, dá pela falta da filha de 6 anos a meio da viagem.

As semelhanças com "Sala de Pânico", de David Fincher, são impressionantes e inescapáveis - "huis-clos" num espaço fechado, Jodie Foster refazendo em piloto automático o número da mãe coragem cheia de recursos, primazia do estilo visual sobre a substância (já no seu anterior e excelente "Tattoo", inédito por cá, Schwentke mostrava a sua dívida a Fincher) -, mas há no guião de "Pânico a Bordo" um toque de classe hitchcockiano que, bem explorado, pode mudar tudo: é que ninguém, nem tripulação nem passageiros, se recorda ou sequer tem registo da menina ter entrado no avião... Custa, por isso, ver a encenação hiper-controlada de Schwentke, capaz de articular todos os lugares-comuns do cinema de "suspense" num todo de ambiente angustiante e implacável lógica, a soçobrar à vista da meta, culpa de um guião que resolve o mistério inteligente que havia construído com uma resolução rebuscada em excesso e que, ao mesmo tempo, reduz o filme a um mero policial. E custa ver Jodie Foster a repetir-se em papéis que não fazem justiça ao enorme talento que lhe reconhecemos. É verdade que talvez não houvesse maneira de resolver a contento o excelente "set-up" do filme; é igualmente verdade que "Pânico a Bordo" não deixa por isso de ser um eficaz exercício de estilo nas mecânicas tradicionais do filme de suspense. Mas deixa a sensação de que podia ter sido mais do que isso - e não se compreende muito bem porque é que não é.

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