Inquietude

Quando a farsa termina no final de "Os Imortais", a primeira história que abre "Inquietude", e os corpos se atiraram de uma janela para não sofrerem o envelhecimento e a decrepitude, a câmara recua para dar a ver um palco e o pano desce. À peça assiste um grupo de prostitutas do Porto dos anos 30, de "malaise" e temperamento doentio, e assim se abre "Suzy", a segunda história. Outro malabarismo de narrativa há-de permitir o aparecimento de uma terceira, "A Mãe de Um Rio", pelos domínios do "ruralismo mágico". E assim Oliveira juntou três textos que lhe interessavam - de Prista Monteiro, de António Patrício e de Agustina -, nenhum deles, segundo o cineasta, capaz de aguentar por si só um filme. E assim, também, das expectativas criadas com "Os Imortais", filmado com o totalitarismo áspero do fabuloso "A Caixa" (este é também o Oliveira da farsa demoníaca "Os Canibais"), se avança de decepção em decepção: a evocação dos espíritos em "Suzy" - o espírito do lugar, o halo fétido dos objectos e dos corpos - são ecos de uma obra maior, "Francisca", mas ela já foi feita e é irrepetível; o sortilégio, na lenda da mulher de dedos de ouro que foi escorraçada para uma montanha ("A Mãe de um Rio"), já desceu sobre as imagens de forma mais inclassificável em "O Convento". A questão é essa: cada uma das histórias de "Inquietude" é "classificável". É dos mais fluentes filmes de Oliveira? Talvez. Mas será justo acrescentar que é também dos mais "ilustrativos". No caso de Oliveira, as imperfeições sempre foram mais estimulantes.
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