Ex-tesoureiro do PP confirma pagamentos ilegais a Rajoy

Primeiro-ministro diz que não se demitirá e escuda-se na defesa da “estabilidade política” para que Espanha ultrapasse a crise económica e financeira.

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Mariano Rajoy confia na recuperação da economia espanhola Pierre-Philippe Marcou/AFP

Para além de admitir a existência e a autoria de uma contabilidade paralela no Partido Popular, o ex-tesoureiro do partido disse nesta segunda-feira em tribunal que fez pagamentos ilegais a dirigentes conservadores, incluindo ao actual primeiro-ministro, Mariano Rajoy, relatam os jornais espanhóis. O chefe do Governo garante que não se demitirá.

“Fiz entregas em dinheiro em 2008, 2009, 2010 a Rajoy e a Cospedal.” A frase, atribuída a Luis Bárcenas, é escrita pelo diário El País e pelo jornal online Infolibre, citando pessoas ligadas ao caso que assistiram à audiência de cinco horas em que Bárcenas foi interrogado. Cospedal é María Dolores de Cospedal, actual secretária-geral do partido no poder.

Segundo a edição online do El Mundo, Bárcenas disse ter pago 25 mil euros a cada um em 2009 e 20 mil a cada no ano seguinte – responsáveis da acusação descrevem que Bárcenas explicou ter feito estas entregas pessoalmente.

De acordo com as descrições da audiência, Bárcenas confirmou o que um relatório da unidade de branqueamento de capitais da polícia concluíra em Maio: o PP espanhol financiou-se durante anos com doações ilegais feitas por grandes empresários, nomeadamente construtoras interessadas em conseguir contratos públicos.

Como a lei só permite doações anónimas até 60 mil euros, o homem que tratou das contas do partido durante 20 anos dividia-as em pequenas quantidades. Parte dessas doações servia depois para fazer pagamentos aos dirigentes, ilegais porque os beneficiários de cargos públicos não podem juntar outros rendimentos aos seus salários.

Bárcenas garantiu que Cospedal “conhecia os pagamentos extra” e acusa outro ex-tesoureiro, Álvaro Lapuerta, de receber o dinheiro que depois fazia chegar à sede do PP, em Madrid. “Eu fiz o que o Álvaro me disse que fizesse”, afirmou.

Esta foi a segunda vez que Bárcenas, preso desde o fim de Junho, respondeu em tribunal por causa das contas do PP. Na primeira vez recusou-se a responder, mas já se sabia que tinha mudado de táctica – isso ficou claro quando o ex-tesoureiro falou ao El Mundo, na semana passada, entregando ao jornal os originais manuscritos da contabilidade paralela (o El País publicara em Janeiro uma cópia dos mesmos documentos).

"Mantém-te forte”
Entretanto, durante o fim-de-semana o El Mundo publicou mensagens telefónicas trocadas entre Bárcenas e Rajoy, algumas de Março deste ano, já depois de se saber que Bárcenas tinha 16 milhões de euros em contas suíças (entretanto, soube-se que chegou a ter 47 milhões).

Nestas mensagens, o primeiro-ministro manifesta o seu apoio ao ex-tesoureiro e pede-lhe que se mantenha “forte” e “tranquilo”. “Luis, eu percebo-te. Mantém-te forte”, é a mensagem de Janeiro que a oposição leu como um pedido de silêncio sobre a contabilidade paralela e os pagamentos ilegais aos dirigentes.

Em Março, quando advogados do partido impediram Bárcenas de ir buscar documentos do escritório que tinha usado na sede, este escreve a Rajoy: “Tu saberás ao que estás a jogar, mas eu fico livre de qualquer compromisso contigo e com o partido”.

Foi o próprio Bárcenas a fazer chegar esta informação ao diário e “mostrou-se especialmente interessado na sua publicação depois de o seu antigo partido o ter descrito, pela boca de Alfonso Alonso, como um delinquente que fez da mentira o seu estilo de vida”. Alonso é o porta-voz do PP no Congresso.

Agora, Bárcenas foi mais longe e entregou à justiça dezenas de documentos, incluindo os anos em falta na contabilidade manuscrita até agora conhecida, 1993, 1994, 1995 e 1996. Os documentos já publicados na imprensa dizem respeito ao período entre 1990 e 2008, com excepção desses quatro anos, e registam pagamentos anuais a Rajoy, que era na altura vice-secretário-geral do partido, Cospedal, mas também a Rodrigo Rato e Jaime Mayor Ortega (vice-secretários), Francisco Álvarez-Cascos, Javier Arenas e Ángel Acebes (secretários-gerais).

"Reformas" e "estabilidade política"
Bárcenas ainda respondia às perguntas do juiz Pablo Ruz, da Audiência Nacional, quando Rajoy deu uma curta conferência de imprensa na qual recusou demitir-se, como exige a oposição. Admitiu no entanto, implicitamente, a autoria dos SMS, defendendo que estes confirmam que “o Estado de direito não se submete a chantagens” e que o seu Governo nunca interferiu nas investigações que envolvem o PP. Mas Rajoy ocupou todo o tempo possível a sublinhar a importância da “estabilidade política”.

“O principal neste assunto é que a administração da Justiça está a actuar de forma independente e com a colaboração plena deste Governo”, garantiu Rajoy. “Este Governo não deu nenhuma indicação, sugestão ou pressão à Justiça ou à polícia judiciária”, insistiu o primeiro-ministro.

No domingo, depois da publicação das mensagens trocas entre Rajoy e Bárcenas, a oposição socialista anunciou que rompe todas as relações com o PP. “A oposição é livre de actuar como considerar conveniente. Digo apenas que Espanha está a dar passos na bora direcção para ultrapassar a crise e eu vou defender a estabilidade política”, respondeu Rajoy.

“Eu vou cumprir o mandato que os espanhóis me deram. Dou aos espanhóis a garantia de que há aqui um Governo estável que vai cumprir com as suas obrigações”, afirmou. E ainda: “Os dois pilares mais importantes são o programa de reformas e a estabilidade política que existe em Espanha. Não vou consentir que nenhuma sofra danos. Continuaremos a tarefa sem pausa nem hesitações.”

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