Prudência e júbilo pelo fim do terrorismo da ETA

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Os ataques do grupo mataram mais de 800 pessoas Foto: Pablo Sanchez/Reuters/arquivo

Foi com semblantes sérios, gestos solenes e discursos comedidos que os dirigentes políticos espanhóis reagiram ao anúncio da ETA do fim do terrorismo, em comunicado e vídeo divulgados pelo diário basco Gara, mas que também estavam na posse do diário norte-americano The New York Times e da emissora pública britânica BBC.

O adeus às armas já era esperado desde que, na segunda-feira, em San Sebastián, numa iniciativa da organização social Lokarri, se celebrou uma conferência internacional de paz com a presença, entre outros, de Kofi Annan, antigo secretário-geral das Nações Unidas, e de Gerry Adams, presidente do Sinn Féin, ex-braço político do IRA. A resolução final deste fórum pedia aos etarras o fim da violência, recorrendo a expressões e à linguagem habitualmente usadas pela esquerda nacionalista radical, que apoia a organização terrorista.

Retórica habitual

Foi com base na resolução de San Sebastián, que, segundo o comunicado divulgado ontem pela organização separatista e terrorista, "reúne os ingredientes para uma solução integral do conflito", que um dos três encapuçados anunciou, em castelhano, "o fim definitivo da sua actividade armada".


A missiva usa a tradicional retórica: "Estamos perante uma oportunidade histórica para dar uma solução justa e democrática ao secular conflito político." E anuncia uma estratégia. "O reconhecimento de Euskal Herria [País Basco] e o respeito pela vontade popular devem prevalecer sobre a imposição, esse é o desejo da maioria da sociedade basca." Faz tábua rasa da existência, no País Basco, de instituições democráticas.

Foram estas frases, através das quais os etarras não admitem a sua derrota, que suscitaram cautela aos políticos espanhóis.

O presidente do Governo espanhol, o socialista José Luís Rodriguez Zapatero, destacou, numa declaração ao país, "o triunfo do Estado de direito sem condições". "Seremos uma democracia sem terrorismo, mas não sem memória", disse, numa referência às mais de 800 vítimas da violência do grupo.

Zapatero afirmou ainda que o fim do terrorismo só foi possível devido à determinação de todos os governos democráticos espanhóis, às forças de segurança, à Justiça, e à colaboração de França e de outros países.

Por seu lado, Mariano Rajoy, líder do Partido Popular, que, segundo todas as sondagens, será o novo chefe do executivo após as eleições legislativas de 20 de Novembro, destacou que se trata de "um anúncio sem concessões".

Um reparo comum aos dois principais protagonistas da política espanhola que ontem mantiveram uma conversa telefónica, na sequência de contactos que começaram no passado fim-de-semana, sempre sobre a ETA.

A mesma preocupação foi expressa pelo presidente do Senado, o socialista basco Javier Rojo. "Estou decepcionado nalguns aspectos, [os etarras] dizem que vão deixar de matar, mas reivindicam o que fizeram como se tivesse valido a pena", disse Rojo comentando uma frase do comunicado: "A luta de longos anos criou esta oportunidade."

Falta a dissolução

Por seu lado, a Confederação Patronal Basca qualificou como positivo o comunicado, mas acentua "que a completa dissolução da ETA é o passo final que a sociedade basca espera e exige". No mesmo sentido se pronunciou José Marco, vice-presidente da Associação de Vítimas do Terrorismo, que exigiu a dissolução da organização terrorista.


Mais entusiasmado reagiu Javier Solana, antigo comissário europeu e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, político que teve protagonismo nos bastidores internacionais que, nos últimos meses, levaram ao aumento da pressão sobre a ETA. "São excelentes notícias", escreveu Solana na sua conta de Twitter.

"Ninguém no futuro vai reescrever a história", insistiu Alfredo Pérez Rubalcaba, candidato socialista às eleições de 20 de Novembro e antigo ministro do Interior, a quem ontem Zapatero não deixou de agradecer. Rubalcaba referia-se às vítimas e ao trabalho das forças de segurança que levaram os etarras, após 50 anos da história da sua organização, ao seu momento mais débil: com mais de 700 membros nas prisões, sem apoio social e com fracturas com o seu braço político.

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