Fuga de informação do WikiLeaks é "um crime grave", diz Casa Branca

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A embaixada norte-americana em Madrid Susana Vera/REUTERS

A publicação dos telegramas diplomáticos norte-americanos orquestrada pelo site WikiLeaks é “um ataque contra a comunidade internacional”, disse a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, enquanto o porta-voz da Casa Branca denunciou este acto como "um crime grave".

Os Estados Unidos estão a tomar “medidas agressivas para que os responsáveis respondam pelos seus actos” e“lamentam profundamente” a divulgação de material classificado nesta fuga de mais de 250 mil documentos do Departamento de Estado – telegramas usados para comunicar entre as embaixadas norte-americanas e Washington.

Esta fuga de documentos confidenciais da diplomacia americana constitui "uma grave violação da lei e uma ameaça grave para os que conduzem e os que apoiam a nossa política exterior", sublinhou por sua vez Robert Gibbs, porta-voz da Casa Branca.

“Alguns, enganados, podem aplaudir os responsáveis por este erro. Mas não há nada de louvável” nesta divulgação, disse Clinton, numa conferência de imprensa no Departamento de Estado. Da reacção do Presidente Barack Obama sabe-se o que contou Gibbs: "Ficou no mínimo descontente, quando foi informado, na semana passada, da publicação iminente dos 250 mil telegramas".

Em vez de uma fuga de informação destinada a revelar uma solução intolerável, que deva ser denunciada e conhecida pelo público, “pelo contrário, o que está a ser exibido com esta quantidade de documentos é a actividade dos diplomatas americanos, a fazerem aquilo que devem fazer, aquilo que esperamos que façam... devíamos ficar orgulhosos”.

Fugas de informação deste tipo “ameaçam o funcionamento responsável de um governo”, disse a secretária de Estado, citada pelo site do jornal britânico “The Guardian”, que acompanha o seu discurso em directo. “Todos os países, os EUA incluídos, devem poder ter um diálogo honesto e privado com outros países sobre assuntos de interesse comum. Quando alguém quebra essa confiança, todos ficamos a perder.”

Investigação criminal em curso

Antes, já o procurador geral Eric Holder tinha garantido estar “em fase activa uma investigação criminal” sobre a divulgação de documentos classificados da Administração norte-americana pelo site WikiLeaks, e as autoridades processarão quem for considerado responsável.


“A investigação está a decorrer em conjunto com o Departamento da Defesa”, disse Holder, numa conferência de imprensa. “Não estamos ainda prontos para anunciar resultados dessa investigação.”

Esta não é a primeira vez que o site WikiLeaks divulga fugas maciças de informação da Administração norte-americana este ano. Só em Outubro publicou 400 mil ficheiros secretos sobre a guerra do Iraque, e em Julho publicou dezenas de milhares de ficheiros sobre a guerra no Afeganistão. Tudo isto sem que o Governo norte-americano tenha conseguido formular acusações contra alguém pela fuga de informação.

Entretanto, a Casa Branca emitiu uma ordem para que todas as agências governamentais norte-americanas apertem as regras para o uso de informação classificada. Os novos procedimentos, diz a agência Reuters, destinam-se a garantir que “os utilizadores não tenham acesso a mais do que o estritamente necessário para fazer o seu trabalho de forma eficiente”.

São postas em prática “restrições ao uso [de informação classificada] ”, bem como ao uso de meios para a sua remoção das bases de dados, de acordo com uma directiva do Office of Management and Budget, hoje divulgada.

A investigação tem-se centrado no soldado Bradley Manning, um jovem analista de informação que estava colocado no Iraque e que foi preso no fim de Maio sob suspeita de ter sido a origem de uma fuga de informação para o WikiLeaks. Foi acusado de ter fornecido o material para um vídeo que o WikiLeaks divulgou sob o título “Collateral Murder”, em que um helicóptero Apache norte-americano mata vários civis, incluindo um repórter da Reuters.

Mas até agora os EUA não conseguiram chegar ao australiano Julian Assange, o editor do WikiLeaks. E não é por falta de vontade. “Se encontrarmos alguém envolvido na violação da lei americana e que pôs em risco os diplomatas e outros indivíduos que ajudam os Estados Unidos, serão responsabilizados e julgados”, garantiu Eric Holder. Não há ninguém que não seja um alvo ou objecto de investigação, pela sua nacionalidade ou local de residência”, disse o procurador-geral dos EUA, referindo-se claramente a Assange, cujo paradeiro é incerto.

Assange tem já um mandato da Interpol emitido para a sua captura, a pedido das autoridades suecas, para responder num inquérito sobre violação e violência sexual.

Foram os americanos, diz Ahmadinejad

Os documentos da Administração norte-americana revelados pelo site WikiLeaks “não têm valor” e foram divulgados com um objectivo “malévolo”, afirmou o Presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.


Os telegramas diplomáticos, que revelam que várias monarquias do Golfo Pérsico pediram aos EUA que bombardeassem o Irão, por causa dos seus planos nucleares, além de revelarem um grande grau de desprezo pelo Irão do Presidente egípcio, Hosni Mubarak, e de outros países árabes, “foram preparados e difundidos pelo Governo americano”, garantiu Ahmadinejad, numa conferência de imprensa.

“Fazem parte de uma campanha de guerra de informação [contra o Irão], mas não terão o impacto político pretendido” por Washington”, afirmou o Presidente iraniano, citado pela AFP.

Os telegramas apontam também para que o Irão tenha usado o Crescente Vermelho para infiltrar agentes e armas no Líbano, em 2006, durante a guerra com Israel, e para que o país tenha obtido da Coreia do Norte mísseis capazes de atingir a Europa.

Ahmadinejad garante, no entanto, que nada disto afectará a relação do Irão com os outros países do Médio Oriente. “Os países da região são todos amigos. Esta maldade não terá efeitos nas relações entre as nações”.

Alemanha reafirma solidez das relações

O Governo alemão já reagiu oficialmente garantindo que as relações entre Washington e Alemanha “são robustas, sólidas, apoiadas em valores comuns” e que a divulgação de documentos com apreciações menos simpáticas sobre líderes alemães por diplomatas norte-americanos divulgadas via WikiLeaks não deverão “afectar seriamente” as relações, segundo o porta-voz do Governo, Steffen Seibert.


As fugas da WikiLeaks estavam em destaque nas edições electrónicas dos principais diários alemães, que se focaram tanto nas revelações globais como nos pormenores relativos à Alemanha. O diário “Frankfurter Allgemeine Zeitung” foca o tratamento menos positivo dado a dois dirigentes alemães, a chanceler, Angela Merkel, e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Guido Westerwelle.

A classificação como incompetente do ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Guido Westerwelle, várias apreciações menos positivas da chanceler, Angela Merkel (“Tefelon Merkel”) e o facto de os Estados Unidos terem sido informados das conversações para a coligação actual no Governo por uma fonte interna do partido liberal, de Westerwelle, são os principais pontos de interesse.

Quem sai pior é o ministro dos Negócios Estrangeiros. Segundo o actual embaixador em Berlim, Phillip Murphy, Westerwelle “ainda precisa de aprofundar o conhecimento de questões de política de segurança e de negócios estrangeiros”, cita a revista alemã Der Spiegel, uma das publicações internacionais que teve acesso aos documentos. O seu pensamento “tem pouca substância”, e é “vaidoso e exuberante”.

Fica-se ainda a saber que Westerwelle é criticado pelos seus próprios colegas de Governo, como o ministro da Defesa, Karl-Theodor zu Guttenberg.

Os diplomatas americanos gostam aliás de trabalhar na Alemanha, sublinha o "Frankfurter Allgemeine Zeitung": “Os alemães falam muito”, diz um dos telegramas divulgados pela WikiLeaks.

Angela Merkel “raramente é criativa” e privilegia sempre uma via “segura”, diziam ainda os telegramas vindos de Berlim. E ainda que tenha falado no aprofundamento das relações entre a Alemanha e os EUA, a chanceler não fez nada em concreto para essa melhoria, acusa outro telegrama.

A nível interno, a questão do informador nas conversações de coligação entre CDU de Merkel e os liberais parece ser uma das mais espinhosas. O ministro alemão do Desenvolvimento, Dirk Niebel – também criticado nos telegramas da WikiLeaks pela sua pouca experiência – já veio defender o partido da acusação, classificando-a como “ridícula” e garantindo que não havia qualquer informador.

Ambição de Rolls Royce, recursos de Rover

Um país que sai particularmente mal na imagem dada pelos documentos da WikiLeaks é a Turquia. O ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Ahmet Davutoglu, anunciou que abordaria hoje a questão das notas diplómáticas – que o põem em causa – com a secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton.


Para o diário turco em inglês “Hurriyet”, se “as relações turco-americanas conseguirão sair ilesas das descrições dos responsáveis americanos de importantes figuras de Ancara como perigosas, o dano poderá ainda ser feito pelas avaliações dos bens pessoais do primeiro-ministro turco”.

Já o “Today’s Zaman” sublinha que no bolo das comunicações diplomáticas, a Turquia é o segundo país em termos de quantidade de mensagens. O país é classificado como tendo “ambições de Rolls Royce e recursos de um Rover” em termos de política internacional.

Os EUA desconfiam das possíveis tendências islamistas do Governo de Recep Tayyip Erdogan e dizem que este está rodeado de conselheiros pouco competentes – escolhidos com base numa passagem por uma espécie de fraternidade religiosa.

No entanto, segundo os telegramas norte-americanos vindos de Ancara, não há alternativas viáveis a este Governo. O “Today’s Zaman” destaca ainda que diplomatas americanos concordam com a afirmação israelita de que a deterioração da relação entre Telavive e Ancara são “atribuíveis exclusivamente” à Turquia.

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