Black Rebel Motorcycle Club: Sob flashes rock’n’roll

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O grupo em 2004 no Festival Paredes de Coura PÚBLICO

Black Rebel Motorcycle Club
Lisboa, Aula Magna
9 de Novembro, 22h,
3,5 estrelas

Pelo meio ouve-se uma balada fúnebre ao piano. Pelo meio, precisamente a meio do concerto que iluminou a Aula Magna a flashes que encandeiam, brancos, e de luzes de vermelho garrido sobre o preto que cobria o trio em palco, ouvir-se-á o baixista Robert Levon Been cantar “Dirty old town” (do cantor folk britânico Ewan McColl e popularizada pelos Pogues) e o guitarrista Peter Hayes, harmónica sintonizada em mestre Dylan, mergulhar no ambiente de folk antiga. Também foram isto os Black Rebel Motorcycle Club, banda que aplica massas sonoras shoegaze (volume sempre no máximo) a música onde tudo o que interessa é a urgência da interpretação e uma atracção pelo abismo, pelo lado negro e marginal de que é feita a história do rock’n’roll.

O blues e a folk que a banda de “Whatever happened to my rock’n’roll?” nos puseram no caminho não foram só um descer à terra depois do ataque “feedbélico” inicial, com a bateria mastodôntica, minimal, de Leah Shapiro, o baixo ameaçador do Levon Been, homem de pose icónica (o baixo como arma apontada à multidão, pronta a disparar), e as mil reverberações da guitarra de Hayes. Naquele momento, os Black Rebel Motorcycle Club escavaram as raízes mais profundas da sua música para exporem essa fonte original a uma Aula Magna composta de público sempre pronto a levantar-se das cadeiras, claramente um empecilho num concerto como o de ontem à noite.

Perante cerca de mil pessoas estava uma banda que nunca conseguiu reproduzir a sensação de “zeitgeist” da estreia “B.R.M.C.”, editado no final de 2001, mas que, atravessando a década sem maquilhar, por um segundo que fosse, a identidade ali cunhada, criou um corpo de obra que, em concerto, se apresenta sem sobressaltos. Claro que “Red eyes and tears”, da estreia, se destaca a início do concerto e provoca o primeiro erguer colectivo das cadeiras. E naturalmente que, antes do momento blues-folk, a zangada sofreguidão de “Whatever happened to my rock’n’roll?” leva à comoção o homem que há muito dançava e praticava a nobre arte do “air guitar” no corredor entre plateias – e leva Robert Been, como não podia deixar de ser, a avançar sobre as primeiras filas das doutorais, partilhando o grito com o grito de todos. Esses, porém, são momentos de celebração colectiva num concerto onde, mais que as canções, é a própria natureza do som que nos envolve e conquista – sentimos algo semelhante, de resto, com a boa banda de abertura, os portugueses Murdering Tripping Blues.

Que temos então? O folk-blues transformado em matéria bombástica em “There ain’t no easy way”, o bombardeamento eléctrico, metódico, lento e ameaçador de “666 conducer” ou essa “Weapon of choice” que, quando o baixo inundado em fuzz se silencia e a bateria serena por fim, nos deixa perceber que, sob toda a magnífica barulheira, existe uma guitarra “boogie” que os T. Rex muito apreciariam.

Já não há sinais de “zeitgeist” nos Black Rebel Motorcycle e, ao longo das duas horas de concerto, nem sempre conseguiram avançar perante nós como “bombardeiros avançando a alta velocidade com o cérebro do ouvinte por objectivo” (assim foram descritos lá muito atrás no tempo), mas pedir-lhes isso dez anos depois seria exigir demais. Na penumbra do palco, infernizam o espírito de John Lee Hooker na insaciável “Spread your love”. Depois, sorridentes, apontam o lugar onde os pais da sua baterista estão a ver o concerto (eles que se conheceram em Lisboa há 40 anos e não imaginavam certamente voltar a ela para ver a filha na Aula Magna), e partem novamente.

“Shadow’s keeper”, do último “Beat The Devil’s Tattoo”. Um turbilhão ensurdecedor que se encaminha, momento a momento, para a pacificação final, quando Peter Hayes e Robert Been juntam as vozes e se despedem em modo “lullaby”. Fim de viagem. Óptima viagem.

Mário Lopes é crítico de música
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