Impacto pleno das políticas de austeridade apenas se sente anos mais tarde, alerta OCDE

“Portugal é um desses casos em que os gastos sociais deviam ter sido protegidos ou mesmo aumentados”, disse ao PÚBLICO um dos autores do relatório publicado esta terça-feira.

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O desemprego em Portugal duplicou desde o início da crise Paulo Pimenta

Portugal partiu para a crise, entre 2007 e 2008, com um dos índices de desigualdade social mais elevados da Europa. O fosso entre ricos e pobres continuou a aumentar e em 2010 apresentava-se já como o mais elevado entre todos os países europeus da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico).

As reformas adoptadas desde 2010 não ajudaram. Em Julho de 2013, o Rendimento Social de Inserção chegava a menos 30% das pessoas do que em 2010. E enquanto outros países reforçaram os apoios de assistência aos mais pobres, as políticas implementadas em Portugal, com vista à consolidação orçamental, limitaram o acesso a esses apoios, conclui a sétima e mais recente edição do Society at A Glance 2014 (Olhar sobre a Sociedade) – um relatório que analisa os indicadores sociais dos países da OCDE publicado de dois em dois anos. A organização de 34 estados-membros e que junta também países fora da União Europeia – como a Islândia, Estados Unidos, México, Turquia, entre outros – deixa várias recomendações a Portugal.

“Uma primeira prioridade é garantir apoio básico para os mais desfavorecidos”, enfatizam os autores do documento. “Uma segunda prioridade é ajudar as famílias mais desfavorecidas a rapidamente beneficiarem de uma retoma económica”, acrescentam. “Mas mais ainda precisa de ser feito” para reduzir os desequilíbrios, quando quase seis em dez desempregados não estão a receber subsídio de desemprego. Desde o início da crise, todas as semanas, Portugal perdeu 2700 empregos.

“Portugal é um desses exemplos em que os gastos sociais deviam ter sido protegidos ou mesmo aumentados”, especifica ao PÚBLICO o economista Herwig Immervoll, um dos autores do relatório. Foi o inverso que aconteceu. E essa é uma das conclusões que mais saltam à vista, quando se coloca Portugal ao lado de outras economias atingidas pela recessão. A outra: o facto de os apoios sociais não terem aumentado como noutros Estados onde o desemprego não chegou a níveis tão elevados.

Os países atingidos pela crise apresentam fenómenos e tendências comuns. Duas coisas, porém, os distinguem. A situação pré-crise ou como estavam preparados para a enfrentar – aquilo a que o economista Herwig Immervoll da OCDE chama de “ponto de partida” – e as políticas implementadas pelos governos na resposta a uma recessão.

Reforço tímido
"Em Portugal, os rendimentos mais baixos caíram e a desigualdade aumentou”, explica, acrescentando que, ao contrário de outros países, onde a resposta se reflectiu num aumento acentuado das despesas sociais (subsídios e outros apoios), em Portugal, esse reforço foi tímido.

Entre 2008 e 2013, os gastos sociais subiram cerca de 4%, muito abaixo dos 18% de aumento em Espanha ou dos cerca de 15% na Irlanda, dos 11% na média dos países da União Europeia e dos quase 14% na média dos países da OCDE. O aumento é sempre previsível, diz Herwig Immervoll, porque “quando o desemprego aumenta, mais pessoas recebem subsídios de desemprego e outro tipo de apoios sociais”.

O desemprego em Portugal aumentou mais do dobro do que na média de todos os restantes países. E apesar disso, os recursos adicionais para fazer face a esse fenómeno (e destinados ao apoio social) não chegou a um terço da média do aumento desses recursos nos restantes países da OCDE, frisa este economista que chefia o departamento das Políticas Sociais de Incentivo ao Emprego da OCDE.

Os perigos de tão tímida resposta são vários, diz o responsável, num país onde também o impacto negativo da crise não foi distribuído de forma equitativa. No início de 2013, o desemprego jovem ultrapassava pela primeira vez os 40% em Portugal. Entretanto baixou, nota o relatório, mas para permanecer mais de duas vezes acima dos 16% da média dos países da OCDE. E apesar disso, a parcela das despesas sociais destinadas a apoiar as famílias e a população activa continuam a representar uma parcela muito pequena do total: apenas 8,5% quando a média dos países da OCDE é de 14%.

Marcas da crise
Os perigos estão relacionados com as oportunidades de emprego, que se fecham, e com as condições, mais limitadas, em que se desenvolvem as crianças. Portugal fica assim especialmente exposto às “marcas da crise”, a que o relatório chama de “scarring effects” (da palavra inglesa scar, cicatriz). “Se pessoa viver em situação precária durante algum tempo, terá dificuldade em inverter isso”, explica Herwig Immervoll.

“O que sabemos de crises anteriores, é que estas perdas de rendimentos e estes fossos que se abrem entre grupos com rendimentos elevados e rendimentos baixos, podem perdurar por muito tempo. Isso é perigoso para as famílias, não só no presente como no futuro”, continua este economista.

No documento de 148 páginas, os autores analisam opções de políticas sociais “à prova de crise” quando a tendência global recente continuava a ser para uma subida do desemprego. E vislumbram “a perspectiva de que estes problemas vão continuar a moldar a vida das pessoas por muitos anos no futuro” e mesmo depois da crise. Hoje, e mesmo perante os sinais de esperança para muitas economias, “as perspectivas económicas para demasiadas pessoas permanecem sob o efeito da recente instabilidade”, apontam.

Perante a atenção especial dada “às dificuldades imediatas” relacionadas com o desemprego e a crise e à redução no rendimento das famílias, o relatório avisa que “as consequências plenas das medidas de consolidação orçamental apenas se revelam alguns anos mais tarde". 

Como podem os países tornar as suas políticas sociais mais “à prova de crise” e evitar que as marcas de uma recessão perdurem no tempo? No caso de Portugal, seria preciso olhar mais para as famílias e os jovens ou toda a população activa que sofreu mais com o impacto da crise que fez o desemprego disparar e retirou expectativas sem apresentar alternativas.

A pressão das políticas de austeridade impostas pela necessidade de equilibrar as contas públicas, e de cumprir os critérios do programa da troïka, não explicam tudo, diz Herwig Immervoll. “Não é apenas uma questão de aumentar ou reduzir as despesas totais, mas como esta despesa se distribui” na sociedade. “O desafio”, conclui, “está em realinhar o regime de protecção social”, de forma a que os gastos sejam direccionados para quem mais precisa dos apoios.

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