Google: quem o favorece e porquê?

A palavra é dura, mas não há outra para definir este processo: pirataria.

Todos os dias, os motores de busca, com o Google em natural destaque, utilizam conteúdos protegidos, sejam eles autorais, informativos ou outros, sem nada pagarem em troca. A arbitrária utilização desses conteúdos serve essencialmente como suporte à difusão de mensagens publicitárias, essas sim a verdadeira e choruda fonte de receita para as empresas que gerem os motores de busca.

A palavra é dura, mas não há outra para definir este processo: pirataria. Essa pirataria está a levar grandes grupos comunicação europeus a radicalizarem legitimamente as suas posições, por estarem conscientes do prejuízo que lhes é causado, ameaçando postos de trabalho e a própria sobrevivência de estações de televisão, jornais, revistas e outros órgãos de comunicação. As vantagens quotidianas dos motores de busca não estão em causa, mas sim o modo abusivo como utilizam conteúdos que não lhes pertencem e que não remuneram.

Francisco Pinto Balsemão, presidente do European Publishers Council (EPC) reprovou de forma veemente o acordo estabelecido entre a Google e a Comissão Europeia que, em ano de eleições, se mostrou excessivamente complacente. Trata-se, ao que parece, de um princípio de acordo que carece ainda da aprovação do plenário da Comissão. No essencial, a Google prometeu mais transparência no seu “modus operandi” e aceitou remover restrições na pesquisa de campanhas publicitárias a correr noutros motores de busca. Por outro lado, está em aberto a possibilidade de a Google dar a opção aos fornecedores de conteúdos de não autorizarem a inclusão dos seus conteúdos naquele motor de busca. Porém, é pouco, quase nada, para quem ganha tanto e dispõe de tanto poder.

“Estamos perplexos e profundamente preocupados com este princípio de acordo-disse Pinto Balsemão acerca do resultado das negociações entre a Google e Bruxelas, considerando que “a Comissão Europeia está a perder uma grande oportunidade de mostrar que defende os direitos de autor e que valoriza o trabalho dos “media” profissionais; é injusto e grave favorecer os motores de busca em detrimento do jornalismo independente e de qualidade, absolutamente necessário para qualquer democracia”. E assim fica dito o essencial. Mas também é importante dizer que o EPC, que reúne grupos europeus de “media” como a Hachette, a Reuters, o Financial Times, a Impresa, a Prisa e a Axel Springer, admite a hipótese, na condição de queixoso, de interpor recurso junto do Tribunal de Justiça Europeu, por considerar abusiva a prática da Google.

Entende ainda o presidente do European Publishers Council que as propostas avançadas pela Google são “triviais” e “ineficientes”e que a Comissão Europeia, em vez de defender quem deve ser defendido, “se limita a regular a solução predatória de escolhermos entre um opt-out, ou seja, não autorizarmos, ou ficar tudo como está”. Uma perspectiva nada animadora, diga-se.

Quando analisamos uma situação como esta, somos forçados a concluir que a questão é essencialmente política e que poderes políticos fracos, sejam eles nacionais ou transnacionais, têm dificuldade em fazer vingar soluções justas e equitativas. A verdade é que a Google acumulou tanto poder que leva a melhor, nos processos negociais, sobre os grandes grupos de “media” e sobre os decisores políticos de topo. Essa é que é essa.

Faz por isso sentido recuperar um excerto de uma entrevista dada, em 3 de Outubro de 2011, pelo jornalista e ensaísta Robert Levine, autor do certeiro e oportuno livro Free Ride, a Nelson de Sá, da Folha de São Paulo.

“Não acredito que os Estados Unidos vão regular o Google - disse - porque são muito próximos de Obama. A Google doa muito dinheiro para Obama. Eric Schmidt foi um sério candidato a secretário de Estado do Comércio. Como se pode ter um secretário do Comércio que acha que tudo deve ser grátis? É muito estranho”.

Estamos pois a falar de poder e dos centros onde ele se afirma e fortalece, neste caso a própria Casa Branca. É tudo uma questão de dinheiro que nos conduz ao velho aforismo “manda quem pode e obedece quem deve”. Tudo isto acontece num mundo global desregulado onde os princípios e os valores se encontram cada vez mais distorcidos e subvertidos. Este é apenas um exemplo da expressão que pode ter o “faroeste digital”, com o qual o cidadão comum tende a não se preocupar, por pensar que está a ser beneficiado, ou mesmo premiado, como se recebesse um automóvel topo de gama só por ter pedido facturas na hora certa.

Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores
 

   


 

   





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