Director das secretas "chocado" por serviços serem vistos como "associação de malfeitores"

Casimiro Morgado escudou-se no segredo de Estado para não falar da eventual existência de fontes de informação das secretas nas operadoras de telecomunicações

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Casimiro Morgado Pedro Cunha (arquivo)

O director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), José Casimiro Morgado, declarou-se esta quinta-feira "surpreendido" e "chocado" por os serviços serem hoje “vistos como associação de malfeitores".

"Choca-me essa imagem que se tenta colar aos serviços", disse a testemunha no julgamento do caso das secretas, que tem como arguidos, entre outros, um antigo director do SIED, Jorge Silva Carvalho, e o ex-chefe operacional do serviço João Luís. Os depoimentos prestados por ambos aos juízes revelaram que os serviços actuavam efectivamente à margem da lei.

As revelações de João Luís sobre a realização de escutas ambientais e o acesso das secretas a registos telefónicos das operadoras de telecomunicações levaram, na última sessão do julgamento, a procuradora Teresa Almeida a extrair certidão para abertura de inquérito sobre as alegadas práticas ilegais. Questionado sobre o modus operandi dos serviços de informações e o manual de procedimentos que orienta a actuação dos espiões, Casimiro Morgado escudou-se no segredo de Estado para justificar o seu silêncio sobre a existência de fontes de informação das secretas nas operadoras de telecomunicações e a existência de equipamento para efectuarem escutas ambientais.

Quanto ao acesso indevido de Silva Carvalho, João Luís e Nuno Dias à facturação detalhada do jornalista Nuno Simas em 2010, a testemunha assegurou que nunca esteve envolvido numa decisão desse género."Não é um meio de actuação dos serviços", afirmou, acrescentando, contudo, acreditar que a intenção dos arguidos foi resolver o problema "grave" da fuga de informação do interior das secretas para o então jornalista do PÚBLICO.

Casimiro Morgado salientou que os serviços de informações são "uma estrutura hierarquizada, na qual as pessoas cumprem ordens", mas que as "ordens são sempre questionáveis", embora seja frequente os funcionários cumprirem-nas sem terem a percepção das implicações e do "quadro completo" da tarefa.

Apesar de à data dos factos ser chefe de gabinete do Secretário-Geral do Serviço de Informações da República Portuguesa, a testemunha mostrou desconhecimento sobre se houve reuniões para discutir a fuga de informação que, nos jornais, estava a "expor" o serviço. Na inquirição, admitiu que Silva Carvalho, já depois de ter saído do SIED e desempenhar funções na empresa privada Ongoing, continuou a enviar emails com informações, para este serviço, observando que só o inverso é que seria problemático.

Durante a manhã foi também ouvido como testemunha Luís Neves, director da Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo da Polícia Judiciária, que relatou os motivos que Silva Carvalho lhe transmitiu em Novembro de 2010, durante a cimeira da NATO em Portugal, para deixar de ser director do SIED. Luís Neves disse ter encontrado Silva Carvalho "completamente desorientado" e muito desiludido com os cortes orçamentais, que comprometiam o projecto de expansão dos serviços, lembrando que, a certa altura, lhe disse que se ele se fosse embora nunca mais voltaria às secretas.

"Se saíres nunca mais vais poder voltar" foi a advertência premonitória que Luís Neves fez a Silva Carvalho que, na altura, lhe terá já falado da intenção de ir trabalhar para o sector privado. O responsável da Judiciária disse não acreditar, nem nunca ter detectado, que o ex-director do SIED tenha passado informação privilegiada ou classificada das secretas para a Ongoing ou outra empresa privada. E explicou as circunstâncias em que, já em 2011, foi beber um café com Silva Carvalho e apareceu o dirigente do PSD Miguel Relvas, tendo a conversa ocasional sido sobre a Primavera Árabe.

Foi com surpresa, contou, que meses depois recebeu dois telefonemas seguidos de jornalistas a perguntar-lhe se sempre ia para director do Sistema de Informações de Segurança (SIS). Telefonou a Silva Carvalho e este disse-lhe: "É isso que penso".

"Não é a minha praia", terá respondido Luís Neves, que agora recordou a história mas assinalou que a sua prioridade sempre foi a Polícia Judiciária.

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